
LUIZ HENRIQUE BARBOSA DA SILVA — presidente Executivo da TelComp
O setor de telecomunicações é um dos pilares da transformação digital global. Nenhuma indústria — seja ela agrícola, logística, saúde, financeira, industrial ou de serviços — avança em produtividade, eficiência e inovação sem conectividade de qualidade. No entanto, e infelizmente, as grandes operadoras móveis brasileiras seguem presas a uma lógica de negócios do século passado: enxergam a rede como um fim em si mesmo e não como uma plataforma de inovação.
Ao mesmo tempo em que afirmam não conseguir rentabilizar os investimentos nas ondas tecnológicas — 3G, 4G, 5G e já projetando o 6G —, essas empresas resistem em criar verdadeiras parcerias com integradores, provedores regionais e MVNOs que poderiam ampliar a base de uso, diversificar as aplicações e multiplicar as fontes de receita.
Essa miopia competitiva explica porque o setor de telecom, mesmo intensivo em capital, tem dificuldade crônica em capturar valor nas novas fronteiras digitais. A razão não está apenas na pressão das big techs ou na fragmentação de receitas — mas, sobretudo, em um modelo mental ancorado no controle e na exclusividade, em vez da cooperação e do compartilhamento.
O mesmo erro, repetido diversas vezes. Por décadas, tanto as operadoras quanto o mercado financeiro medem sucesso apenas por market share e EBITDA, ignorando o verdadeiro ativo estratégico da era digital: a capacidade de orquestrar ecossistemas e gerar valor compartilhado. Esse foco míope em participação de mercado e controle explica por que o setor insiste em modelos fechados e perde oportunidades nas novas fronteiras digitais.
A história recente é clara. O SMS era uma mina de ouro explorada com tarifas abusivas até que o WhatsApp mudou o jogo — oferecendo um serviço mais simples, gratuito e centrado no usuário. Os combos de TV por assinatura, vendidos de forma forçada e pouco flexível, sucumbiram ao streaming e às plataformas OTT, que reinventaram a experiência audiovisual. Em ambos os casos, as operadoras reagiram tarde — primeiro negando, depois tentando "copiar" o modelo, e, por fim, reclamando de perdas e falta de rentabilidade.
Hoje, a história se repete no mercado de IoT (Internet das Coisas) e no B2B digital. Enquanto o mundo avança para conectar máquinas, veículos, sensores e cidades, as operadoras brasileiras impõem barreiras artificiais: cláusulas de exclusividade, restrições tecnológicas, obrigações de volume mínimo e até direito de compra de startups parceiras.
Essas práticas sufocam o ecossistema de inovação e transformam potenciais aliados em competidores, empurrando empresas e desenvolvedores para alternativas fora do padrão 3GPP — como redes LoRaWAN, wi-fi, Sigfox e, mais recentemente, satélites LEO.
Parcerias verdadeiras exigem confiança e simetria. No mercado de IoT e M2M, o valor não está apenas na conectividade, mas na capacidade de integrar dados, sensores, plataformas, inteligência artificial e aplicações específicas de cada setor. Nenhuma operadora, sozinha, conseguirá dominar esse universo.
O caminho é ser plataforma de conectividade aberta, com múltiplos parceiros e modelos de negócio flexíveis, permitindo que integradores, MVNOs e empresas de tecnologia construam soluções sobre a rede.
Mas, para isso, é preciso mudar a cultura. Em vez de contratos excessivamente restritivos e políticas de exclusividade, o setor precisa adotar práticas de coopetição — competir onde necessário, cooperar onde faz sentido. É assim que se expande mercado, se compartilham riscos e se cria escala.
É justamente para corrigir essas falhas de mercado que existe o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), instrumento central da Anatel para garantir acesso justo aos insumos essenciais — redes, espectro, interconexão, roaming — e para assegurar que novos entrantes possam competir em condições mínimas.
Ao enfraquecer a regulação assimétrica no móvel, o novo PGMC compromete esse equilíbrio e transfere para o consumidor — e para a economia como um todo — o custo da concentração. A consequência é direta: menos diversidade, menos inovação e serviços mais caros aos clientes.
No mercado de IoT, onde o ARPU médio é de R$ 3 por dispositivo, qualquer taxa ou barreira pode inviabilizar um projeto. É justamente aqui que as MVNOs e integradores têm papel estratégico: reduzir custos, ampliar cobertura e conectar o país produtivo — o agronegócio, a logística, a energia, as cidades inteligentes, a manufatura — inclusive em localidades muito pequenas, hoje, ainda sem cobertura móvel adequada.
Sem competição, o Brasil perde o bonde da transformação digital. A insistência das operadoras em defender margens de curto prazo e controle total sobre o ecossistema é um erro estratégico. Enquanto o mundo avança em parcerias abertas e modelos as a service, o Brasil corre o risco de se tornar dependente tecnológico — incapaz de gerar suas próprias soluções digitais.
O setor de telecomunicações precisa decidir se quer ser protagonista da transformação digital ou apenas o canal de tráfego por onde passam os dados das inovações criadas por outros.
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A primeira opção exige visão, colaboração e abertura. A segunda leva ao destino inevitável das "dumb pipes" — redes caras, subutilizadas e financeiramente insustentáveis.
Competição e inovação não são contradições. São condições para o desenvolvimento. A Anatel tem um papel decisivo: garantir um mercado de atacado transparente e acessível, que premie quem inova e não apenas quem controla.
E as operadoras, se quiserem sobreviver à próxima onda — seja 6G, satélite ou IoT massivo —, precisarão finalmente enxergar que o futuro das telecomunicações não está nas antenas, mas nas parcerias.

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