Visão do Correio

Momento decisivo no combate às facções

Falta ao país um instrumento institucional capaz de integrar permanentemente as forças de segurança federais e estaduais. Divergências devem ser discutidas, não usadas como pretexto para paralisia

 A morte de mais de 100 pessoas no Rio, entendida como um êxito operacional, é um fracasso civilizatório.
 -  (crédito:  Tomaz Silva/Agência Brasil)
A morte de mais de 100 pessoas no Rio, entendida como um êxito operacional, é um fracasso civilizatório. - (crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil)

O Brasil vive um momento crucial no enfrentamento ao crime organizado. A Operação Contenção, deflagrada nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, deixou mais de 100 mortos — incluindo quatro policiais — e expôs, de forma trágica, a falência de uma política de segurança pública baseada apenas na força bruta. O governador Cláudio Castro (PL) tenta justificar a ação com o argumento de que seria necessário "retomar territórios" dominados pelo Comando Vermelho. Mas a exibição de listas de suspeitos mortos não substitui a ausência de estratégia. O Estado, quando mata sem distinção, renuncia ao seu papel civilizatório e reforça o poder simbólico das facções.

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Diante da repercussão nacional e internacional do massacre, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e o governador Cláudio Castro chegaram a um acordo para criar um Escritório de Combate ao Crime Organizado, em caráter emergencial. O órgão, que funcionará como um fórum permanente de diálogo e coordenação operacional, será dirigido pelo secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, e pelo secretário estadual, Victor Santos. Sua missão é acompanhar exclusivamente a situação do Rio, promover ações conjuntas entre as forças federais e estaduais e reduzir a burocracia que impede respostas rápidas.

A criação do escritório é um ponto positivo em meio à tragédia. Mostra que os governos federal e estadual entenderam que a guerra isolada é inútil, e que o crime organizado, hoje presente em praticamente todos os estados, exige resposta articulada e contínua. O Comando Vermelho (CV), o Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras facções atuam como redes empresariais criminosas, controlando rotas de tráfico, contrabando e lavagem de dinheiro. Contra essa estrutura nacional, apenas a União pode coordenar uma política integrada de inteligência, finanças e fronteiras.

Nos últimos meses, o governo federal adotou medidas concretas nessa direção. Lula sancionou a Lei nº 14.875/2025, que endurece as penas e amplia a proteção de agentes públicos e processuais, permitindo à Polícia Federal (PF), à Receita e ao Coaf rastrear fluxos financeiros das facções. A PF, por sua vez, vem conduzindo operações de inteligência e asfixia econômica, bloqueando milhões de reais de contas ligadas ao tráfico e ao crime cibernético. São ações silenciosas, mas eficazes — em contraste com a política da morte e do espetáculo.

Ainda assim, falta ao país um instrumento institucional capaz de integrar permanentemente as forças de segurança federais e estaduais. Essa é a função da Proposta de Emenda Constitucional que cria o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), de autoria do Ministério da Justiça. O Susp prevê coordenação centralizada da União, compartilhamento de dados, capacitação integrada e fundos próprios, o que garantiria continuidade das ações independentemente de governos e conjunturas eleitorais.

Apesar da resistência de governadores da oposição — entre eles, o próprio Castro —, o escritório criado no Rio pode ser o embrião prático do Susp, mostrando que a integração é viável. O que se espera agora é que o Congresso avance com maturidade na tramitação da PEC. Divergências devem ser discutidas, não usadas como pretexto para paralisia. A segurança de milhões de brasileiros não pode ser refém de agendas partidárias. O país precisa escolher entre a inteligência e a barbárie. A morte de mais de 100 pessoas no Rio, entendida como um êxito operacional, é um fracasso civilizatório.

 

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Por Opinião
postado em 01/11/2025 06:00
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