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Gilmar rebate críticas sobre ativismo do STF

Decano da Corte enfatiza que os ministros agem quando há "omissão inconstitucional", e cita como exemplo as medidas adotadas pelo tribunal para que a população fosse imunizada durante a covid-19, ante "um governo negacionista"

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Gilmar: "A democracia constitucional significa ter limites. É preciso ter essa noção, e foi isso que, de alguma forma, o tribunal fez, impondo limites" - (crédito: ALOISIO MAURICIO/ESTADÃO CONTEÚDO)

São Paulo e Brasília — O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), rebateu críticas ao suposto ativismo da Corte e deu uma resposta velada ao colega André Mendonça, que, em evento no Rio de Janeiro, na sexta-feira, defendeu a "autocontenção" do Poder Judiciário. De acordo com o decano, a democracia também exige limites, e a Corte é que deve garantir o cumprimento deles. Gilmar mencionou, por exemplo, a ação dos ministros durante a covid-19. 

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Ele lembrou que, na pandemia, houve "um embate muito sério, porque nós tínhamos um governo negacionista". E destacou ter sido o Supremo que determinou que as regras da Organização Mundial da Saúde (OMS) tinham de ser aplicadas. "Governadores, prefeitos, bateram à porta do Supremo para dizer: 'O governo federal está dificultando a ação'. E o Supremo lhes deu razão. Pasmem os senhores: o Supremo teve de determinar o início do processo de imunização. É uma liminar do ministro Lewandowski. Já tínhamos vacina, já tínhamos a possibilidade, portanto, de imunizar a população e salvar vidas; não obstante, o governo querelava com isso, sob a direção, no Ministério da Saúde, do general Pazuello. A mim parece que o tribunal tem sido um sustentáculo em determinados momentos", disse, em São Paulo, durante seminário do Esfera Brasil. "Uma parte dessas acusações que são feitas ao STF — 'ah, o tribunal é ativista ou hiperativista' — vem nesses casos de omissão inconstitucional", acrescentou.

Após o evento, em entrevistas, Gilmar reiterou que, se o Supremo não tivesse agido durante a pandemia da covid-19, ordenando que o governo federal comprasse as vacinas, o número de óbitos no Brasil poderia ter sido muito maior. "Se nós tivéssemos sido contidos durante a pandemia, muito provavelmente nós não teríamos tido só '700 mil mortos'; teríamos muito mais. Acabei de dar o exemplo da decisão do ministro Lewandowski, que mandou que comprassem vacinas. Alguém pode dizer: 'Mas isso fere a divisão de Poderes'. Mas nós não permitimos que isso aconteça. Certamente tem muita gente que antipatiza conosco — mas que teve a família e parentes salvos graças a essa ação — e vai dizer 'ativista do tribunal'. Ativismo, não; isso tem total respaldo na Constituição, que consagra o direito à saúde", declarou.

Conforme enfatizou Gilmar, "a democracia não é um espaço livre em que todos possam fazer o que quer". "A democracia constitucional significa ter limites. É preciso ter essa noção, e foi isso que, de alguma forma, o tribunal fez, impondo limites. Ou na esfera das chamadas fake news, ou na esfera digital, tentando dizer: quem presta serviço no Brasil tem que se ater às leis brasileiras. Isso é algo comum", destacou. "Ainda ontem ouvia uma manifestação de um autor estrangeiro reconhecendo que a democracia brasileira é uma democracia vital, que nós estamos hoje em uma situação muito mais forte e representativa do que muitas democracias, até então, tradicionais", completou.

Unidade

Sobre a troca de farpas entre Mendonça e o ministro Alexandre de Moraes, no evento de sexta-feira, Gilmar disse que não comentaria o caso em si, mas relembrou a própria orientação do ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte. "É um esforço que todos temos feito a partir do próprio presidente Barroso. Nós não podemos perder a noção de unidade e institucionalidade. A Corte é forte como instituição. Acho que construímos; isso é reconhecido hoje por pesquisadores internacionais, uma das Cortes mais reconhecidas e poderosas do mundo. Cumpre um papel importantíssimo na preservação da democracia, e isso precisa ser preservado", afirmou.

Também a respeito de Moraes, o magistrado afirmou não haver justificativa plausível para a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. "Não tem nenhuma justificativa para a aplicação dessa legislação contra Alexandre de Moraes ou contra qualquer outro colega que está cumprindo as suas funções. E, certamente, se houver necessidade, a jurisdição brasileira vai se manifestar", argumentou. "Não preciso lhes dizer que nós, a maioria do tribunal, inequivocamente suportamos e apoiamos integralmente o ministro Alexandre. Tenho a impressão de que a ampla maioria do tribunal tem reconhecimento e percepção de que, talvez, nós não estivéssemos aqui hoje se não fosse a ação dele, de sua liderança à frente desses diversos inquéritos", elogiou.

Questionado sobre quais ações a Justiça brasileira poderia tomar caso os ministros sejam retaliados pelo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro — réu por tentativa de golpe de Estado, e que será julgado a partir de 2 de setembro —, Gilmar disse que os magistrados ainda não conversaram sobre o assunto.

"Não cogitamos retaliações dos Estados Unidos; a nossa vida segue normal e vamos cumprir o nosso papel que a Constituição quer que nós exerçamos. Essas questões, vamos considerar no âmbito da nossa jurisdição no Brasil, se houver algum tipo de provocação", frisou. "É claro que há uma politicidade, uma politização dessa temática toda; agora, é absolutamente anômalo tentar mudar uma decisão judicial ou colocar em negociações econômico-financeiras ou comerciais a capacidade de deliberação de uma Corte sobre assuntos internos de nosso próprio interesse", reafirmou o ministro.

Gilmar ainda destacou que a Europa tem revisto sanções a outros países e que poderá haver, no futuro, algo para reverter a decisão do governo norte-americano. "A Europa hoje discute a questão das chamadas leis antiembargos contra Cuba e Irã, mas nós precisamos refletir sobre isso e dialogar com os atores econômicos e políticos que têm negócios com os Estados Unidos e que podem sofrer algum tipo de restrição. Eu acredito que, em algum momento, isso tudo vai passar, porque este é um grande equívoco", acrescentou. 

*A jornalista viajou a convite do Esfera

 

postado em 26/08/2025 03:55
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