
Paulo José Cunha — especial para o Correio
Ando sentindo uma falta danada de gente. Sabe gente? Ééééé! Gente! Gente! Gente que fala com a gente, que olha pra gente, que cumprimenta a gente pegando na mão da gente, que toma café com a gente... É, gente. Se existiu, se eu conheci? Claro que existiu e era muito legal quando existia gente. E eu cheguei a conhecer. Sim! Conheci muuuita gente! Não, não! Não foi pelo WhatsApp, pelo Instagram nem pelo Facebook. Foi de pertinho, olho no olho, colocando a mão no ombro, rindo, falando mal dos outros...
Estranho? Pois era assim mesmo, pode acreditar: gente falava com gente. Fa-la-va! Cara a cara. Era muito legal. Você nunca viu? Não acredito! Você nunca viu... gente? Pois eu acho que ainda existe, difícil é achar nos dias de hoje. Mas se procurar acho que encontra. Onde? Na rua, nas lojas, nas praças deve ter. O quê? Como assim? Não tem mais gente por aí? Ninguém sai mais de casa? Ninguém vai às compras, adquire tudo pelo computador ou pelo celular? E quando quer pedir um desconto, como é que faz? Que eu saiba, computador não dá desconto.
Que nem supermercado, que não tem como regatear. Aliás, hoje até nos supermercados, aquela pessoa que ficava no caixa tem sido substituída por uma máquina onde a gente compra, paga no cartão, pega as compras e vai embora. Não precisa de gente, né? Até porque gente dá despesa, tem de pagar salário, INSS, e-social. Tem de dar férias, auxílio-alimentação, auxílio-transporte e tudo o mais. Por isso é que não se vê mais gente no mundo.
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Virtual? Você quer que eu acredite que o mundo agora é virtual, tudo virtual? Inclusive amor, raiva, essas coisas? Mas se é virtual, então, nada mais é... real, né? Meeesmo? Faz tempo que já não existe mundo... real? Meu Deus, eu devo estar sonhando... Quer que eu acredite que a realidade... acabou? Não tem mais como fazer o teste São Tomé, aquele que só acreditava vendo? Porque não dá mais pra acreditar em coisa alguma porque a inteligência artificial pode fazer qualquer coisa, tudo, tudo, tudo. E a gente não pode mais comprovar se o que a gente está vendo é verdade ou mentira?
Cacete!! Então, tá: o mundo real acabou, virou mundo virtual. Por isso é que toda a gente que havia não existe mais, né? Entendi. Mas não tem mais gente, nem mesmo um exemplar, só pra matar a saudade? É, gente, gente! De carne, osso, tripa, unha, cabelo: gente! Não lembra nem como era? Nunca te contaram?
Meodeos... E eu aqui, bobo, inocente, achando que ainda existia... Peraí, peraí! Então é isso, agora entendi: se não existe mais gente então eu mesmo... não existo, né? Entendi, entendi. Agora entendi. O que você está me dizendo é que eu sou só um holograma de mim mesmo. Então, tá. E você? Sério? Você também é um holograma de você mesmo? Gente que é bom...nunca mais? Nunca mais mesmo?
Mas, escuta aqui: se não existe mais gente então é porque acabou geral. Mas se a gente consegue hoje comprar tudo pelo computador então deve dar pra comprar... gente também, né? Ou será que não vendem mais, nem pela internet?
Gente de Deus... Aliás, gente de Deus não: holograma de Deus, onde é que nós fomos parar? O quê? Não precisa mais de Deus? Pra nada? A inteligência artificial faz tudo? Ai, ai, ai, ai, ai. É mesmo o fim do mundo...