
De Marcos Palmeira narrando Dom Casmurro a Natalie Portman dando voz a clássicos infantis, a experiência de ouvir livros e histórias interpretadas por grandes nomes do cinema e da TV tem se tornado um fenômeno cultural. O que antes era um formato restrito a leitores com deficiência visual ou a quem buscava praticidade no trânsito, hoje é um território de experimentação artística, emocional e até erótica.
Nos últimos anos, o mercado de audiolivros vive uma verdadeira explosão. Plataformas como a Audible, Storytel e Scribd têm investido pesado em produções que unem narrativa e performance. O público, cada vez mais acostumado ao consumo multitarefa, encontra nesses áudios uma nova forma de mergulhar em histórias, com a vantagem de ser conduzido por vozes que já reconhece.
Na Audible, por exemplo, O grande Gatsby foi interpretado por Jake Gyllenhaal; Moby dick, por Tilda Swinton; e Orgulho e preconceito ganhou uma versão contemporânea narrada por Marisa Abela e Harris Dickinson. Já no Brasil, o romance de Jane Austen foi lançado em 6 de outubro, narrado por Rodrigo Simas e Julia Dalavia.
A estudante e modelo Maria Elvira, 27 anos, gosta de escutar histórias antes de dormir e costuma usar a plataforma Skeelo. Entre os livros que já ouviu estão Passarinha, de Kathryn Erskine; Os sete maridos de Evelyn Hugo, de Taylor Jenkins Reid; Duna, de Frank Herbert; e O estranho mundo de Jack, de Tim Burton. De acordo com ela, é majoritariamente atraída pela história, mas, dependendo da narração, perde um pouco o interesse.
"Sinto que o formato de áudio limita a imaginação de como seriam as vozes dos personagens e as entonações usadas, às vezes. No restante, eu acho que vai muito da forma como é escrita. Tem livros que te colocam dentro da história e você consegue imaginar tudo perfeitamente, e tem livros que não. A forma como é narrada influencia também; se é mais monótono, acaba diminuindo a imersão", detalha Elvira.
Para a estudante Laila Kauane, 20, a história também é o principal atrativo, mas a interpretação é extremamente importante para o audiolivro não ficar cansativo. Por isso, não consegue acompanhar histórias narradas por robô, apenas por humanos. Mesmo que não exclua as narradoras, outra preferência de Laila é por voz masculina, pois acha que, por ser mais grave, prende mais a atenção.
Entusiasta de clássicos, Laila escutou recentemente Metamorfose, de Franz Kafka; Noites brancas, de Dostoiévsk; e A hora da estrela, de Clarice Lispector — todos foram encontrados no YouTube ou no Spotify. "Eu acho bom porque eu consigo fazer outras coisas enquanto escuto, e foco mais do que na leitura visual", conta.
Ascensão
Apesar de ser um fenômeno ainda em ascensão, os dados do mercado de audiolivros no primeiro trimestre de 2025 reforçam esse avanço acelerado da aceitação pelo formato, especialmente nos gêneros ficção, desenvolvimento pessoal e negócios. De acordo com a empresa de tecnologia de publicação digital de livros Bookwire, apenas nos primeiros meses do ano houve um crescimento de 120% na receita atrelada ao consumo de histórias em áudio em relação ao mesmo período do ano de 2024.
Para a influenciadora do BookTok, jornalista e mestra em literatura e cultura Thais Borges, apesar de o catálogo de audiolivros ainda ser limitado, existe um forte incentivo nesse mercado. "Quanto mais gente se interessar por eles, mais editoras e plataformas vão perceber que vale a pena investir, e isso inclui não apenas mais opções, mas, principalmente, melhores opções: narradores qualificados, produções com múltiplos atores, efeitos de edição mais elaborados. Esse investimento eleva a experiência."
Ela destaca que, embora o mercado americano já esteja bem consolidado, o Brasil ainda dá seus primeiros passos. Segundo Thais, além do interesse crescente ser um ponto chave para o desenvolvimento do setor, plataformas de áudios que oferecem modelo de assinatura, parecido com o streaming, facilitam o acesso e incentivam o consumo, já que comprar um audiobook individualmente ainda é caro.
O uso de atores conhecidos, para a influenciadora, é um ponto ainda mais positivo, pois ajuda a espalhar esse meio de consumo literário. "Temos Lázaro Ramos narrando 1984 e Bianca Bin em O morro dos ventos uivantes. Essas versões dramatizadas são louváveis, porque trazem emoção e vida para o texto. E o bom de ter nomes conhecidos é que eles ajudam a divulgar os livros para um público mais amplo."
Famosos
Apesar disso, além de a narração ser feita por alguém conhecido, é importante que a voz se adeque ao personagem. Entre os narradores favoritos de Thais estão Teddy Hamilton ou Aiden Snow, como também Leslie Howard, que narra os livros de Freida McFadden. Outros nomes se destacam por se encaixarem totalmente com o personagem. "É o caso de Gabriel Michael, da versão dramatizada de Quarta asa, de Rebecca Yarros. Quando me deparei com ele na série Acotar e em Zodiac academy, logo pensei: 'Xaden (personagem narrado por ele no primeiro livro) está aqui'."
Além de trazer atores renomados para as histórias, a diretora-geral da Audible no Brasil, Adriana Alcântara, acrescenta que a diversidade de histórias e vozes é um elemento fundamental das produções que buscam contar narrativas que se conectam com os brasileiros, sempre com representatividade. "Um exemplo recente é No espaço entre nós, que foi a primeira audionovela sáfica que produzimos e lançamos no Brasil e que contou com representatividade tanto no elenco, com Alice Carvalho e Alanis Guillen como protagonistas, quanto na criação, com a autora Elayne Baeta e a produção liderada pela diretora Bianca Comparato."
Adriana Alcântara também destaca que, desde o lançamento do serviço de audiolivros, há dois anos, eles produzem e disponibilizam clássicos da literatura nas vozes de artistas nacionais reconhecidos para que os brasileiros se identifiquem tanto com o formato do audiolivro, mas também com obras e autores que agora estão mais acessíveis em mais momentos do dia a dia. Além disso, incluíram títulos exigidos por vestibulares, para que os estudantes tenham uma alternativa prática, acessível e envolvente para a leitura.
Audiolivros mais vendidos no 1º trimestre de 2025
– Quarta asa – Planeta Minotauro
– A psicologia financeira – HarperCollins Brasil
– O Hobbit – HarperCollins Brasil
– Nexus – Companhia das Letras
– Deixe de ser pobre – Maquinaria Sankto
– Sapiens (Nova edição) – Companhia das Letras
– Torto arado – Todavia
– O Silmarillion – HarperCollins Brasil
– O último desejo – WMF Martins Fontes
– Especialista em pessoas – Academia
Fonte: Bookwire
Contos eróticos
A tendência não se limita a clássicos e fantasias. O formato também vem se expandindo para gêneros inesperados, como o erotismo. É nesse ponto que entra o Quinn, aplicativo criado em 2019 por Caroline Spiegel, que deu um passo além ao unir storytelling, sensualidade e tecnologia.
Produzido por mulheres e voltado para um público diverso, o Quinn se tornou pioneiro em uma categoria que ainda causa curiosidade e, às vezes, tabu: o áudio erótico. A proposta é transformar a voz em um veículo de prazer, colocando o ouvinte no centro da narrativa. E, para isso, o app aposta em nomes conhecidos do público, como Christopher Briney, o Conrad da série O verão que mudou minha vida, que estrela a série Hidden harbor. Na trama, seu personagem retorna à cidade natal e reencontra a ex do irmão.
Outros atores também aderiram à tendência: Andrew Scott, Jamie Campbell Bower, Lucien Laviscount e Tom Blyth já emprestaram suas vozes a contos que vão do romantismo de época à chamada romantasia. E o elenco não se restringe a homens. Victoria Pedretti, de You e A maldição da residência Hill, narrou uma trama sáfica de espionagem inspirada em Killing Eve.
Mesmo sem ser ouvinte desse gênero, Thais Borges vê o movimento como parte de um contexto maior. “O áudio erótico está dentro de dois fenômenos recentes: o crescimento dos podcasts e a expansão da literatura erótica, que sempre teve um público fiel. No Kindle Unlimited, por exemplo, esse tipo de conteúdo domina os rankings, então, é natural que essas leitoras migrem para o formato em áudio.”
E, para ela, o envolvimento de celebridades na narração de histórias é o aspecto mais fascinante dos audiolivros. “Acredito que qualquer forma de atrair pessoas para a leitura — e ouvir audiolivros é leitura — é válida”, afirma. “Se ter atores e atrizes famosos narrando consegue fazer isso, maravilha. Mas é importante lembrar que narrar é diferente de simplesmente ler em voz alta. Requer emoção, entrega e interpretação. Por isso, defendo que sejam atores, famosos ou não, a fazerem isso.”
Apesar de estar no auge, engana-se quem pensa que o modelo de consumir livros é totalmente novidade. No Brasil, o formato tem raízes históricas. Muito antes dos aplicativos e das produções internacionais estreladas, Cid Moreira já mostrava a força da voz como instrumento narrativo. Sua leitura interpretada de textos bíblicos foi uma das primeiras experiências de audiolivro no país, abrindo caminho para o consumo literário por meio da escuta.