
"Ver o mundo pela altura da criança." É assim que as arquitetas Juliana Medeiros e Carina Oliveira, do escritório NA.Studio, resumem a essência do método montessoriano aplicado em casa. Criado pela médica italiana Maria Montessori, o conceito estimula a autonomia infantil a partir de ambientes preparados — espaços pensados na escala da criança, nos quais ela possa explorar, aprender e se sentir segura.
Trata-se de uma filosofia de vida. "É criar um mundo à sua altura, que ofereça autonomia com segurança", explicam as profissionais. Isso significa mobiliário baixo, circulação fluida, ausência de barreiras visuais e uso de materiais atóxicos.
De acordo com as especialistas entrevistadas — Juliana, Carina e a arquiteta Nathasja Palovei, especializada em ergonomia infantil —, o método vem ganhando espaço nas residências brasileiras justamente por unir design e propósito. "O ambiente montessoriano é inspirado na pedagogia de Montessori e deve promover autonomia, liberdade e segurança. É um espaço pensado exclusivamente para as crianças e suas necessidades, onde elas percebem e vivem o ambiente sem depender do adulto", explica Nathasja.
As mudanças comportamentais, segundo elas, são perceptíveis. "As crianças passam a desempenhar pequenas tarefas com mais confiança e desenvolvem independência de forma natural", dizem as profissionais do NA.Studio. Nathasja completa: "Elas aprendem a se vestir, a escolher atividades e a cuidar dos próprios objetos. Isso fortalece a autoconfiança e o senso de responsabilidade — e, em muitos casos, até melhora o sono, já que a criança se sente segura no ambiente que domina".
Funcionalidade acima da estética
Mesmo em apartamentos pequenos, o método é totalmente possível de ser aplicado. A dica é reduzir excessos e abrir espaço para a exploração. "Mobiliário multifuncional, prateleiras baixas, espelhos e nichos organizadores são estratégias eficientes para otimizar o espaço", orientam Juliana e Carina.
A arquiteta Nathasja reforça que o segredo está na organização: "Em espaços compactos, cada centímetro deve favorecer a autonomia. Prateleiras estreitas, baús que viram bancos e futons adaptados como cama são ótimas soluções".
- Leia também: Aprendendo a se amar
- Leia também: Laços que educam
Quanto aos elementos essenciais, as profissionais são unânimes: cama acessível, mobiliário na altura da criança e soluções de segurança — como tomadas protegidas e quinas arredondadas. Já as cabaninhas e estruturas em formato de casinha, muito populares nas redes sociais, são vistas como opcionais. "São bonitas, mas nem sempre funcionais", diz Nathasja.
Embora o conceito costume começar pelo quarto, ele pode se estender por toda a casa. "Com o uso de torres de aprendizagem, é possível envolver a criança em outros ambientes, como cozinha e banheiro, promovendo autonomia e participação ativa nas tarefas", dizem Juliana e Carina.
Pequenas adaptações fazem diferença, completa Nathasja: "Deixar pratos e copos em prateleiras baixas, ter um banquinho leve para alcançar a pia ou montar uma mesinha na sala já transforma a rotina. O importante é permitir que a criança participe".
O método montessoriano defende que a liberdade da criança aconteça dentro de um ambiente seguro e preparado. "Ela pode escolher o que vestir ou qual atividade fazer dentro do que está disponível, e é o adulto quem define essas possibilidades", explica Nathasja.
No projeto arquitetônico, isso se traduz em móveis fixados à parede, materiais atóxicos e ausência de barreiras perigosas. "A liberdade acontece dentro dos limites de um ambiente planejado", reforçam as especialistas.
Autonomia e autoestima lado a lado
Para a psicóloga cognitivo-comportamental Rejane Sbrissa, estimular a independência infantil é essencial para o desenvolvimento emocional. "Quando a criança aprende a se virar sozinha, ela desenvolve autoconfiança, responsabilidade, capacidade de resolver problemas e autoestima", afirma.
Segundo a especialista, cada etapa deve respeitar o ritmo da criança, mas o incentivo precisa começar cedo. "Quando ela engatinha, por exemplo, já pode ter a mamadeira de água em um local baixo para pegar sozinha."
Rejane também alerta para a diferença entre liberdade e permissividade: "A falta de limites é a ausência de regras, enquanto a autonomia ensina a tomar decisões de acordo com a fase em que a criança está. O limite é essencial para que ela aprenda a se responsabilizar por suas escolhas".
Por trás das paredes coloridas e dos móveis baixos, o método montessoriano estimula a criança a confiar em si. "Quando fazemos tudo por ela, mesmo com as melhores intenções, passamos a mensagem de que ela não é capaz", explica a psicóloga.
Para os profissionais, o primeiro passo é justamente mudar o olhar. "O quarto deve ser pensado para a criança, não para o adulto", resume Juliana Medeiros. E se for possível contar com um especialista, melhor ainda. "Um arquiteto ou designer pode transformar a ideia em um ambiente bonito, harmônico e seguro, planejado para acompanhar o crescimento e estimular a autonomia — todos os dias."
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte