Especial

Dia das Crianças: a importância da construção da autoestima na infância

Entre acolhimento e autonomia, pais relatam como ajudam os filhos a lidar com críticas e exclusões ainda na infância

Denise Cléa com sua filha Maria Alice -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Denise Cléa com sua filha Maria Alice - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Neste Dia das Crianças, mais do que presentes e brincadeiras, vale lembrar de algo essencial para o desenvolvimento dos pequenos: o cuidado com a autoestima. Em um mundo cada vez mais conectado,  e por vezes cruel, ajudar as crianças a se sentirem seguras e confiantes é uma das maiores provas de amor que pais e educadores podem oferecer.

Mãe de Manuela Torino, 7 anos, e educadora física, Fabiola Torino, 51, acredita que o fortalecimento da autoconfiança começa em casa, com palavras de afirmação e exemplos diários. "Eu fortaleço a autoconfiança, a autoestima da minha filha no dia a dia, mostrando e falando para ela quem realmente ela é. Realçando a identidade dela, que ela é amorosa, carinhosa, inteligente, que ela é filha amada de Deus, em primeiro lugar", conta.

Para ela, o autoconhecimento é o melhor escudo contra o bullying. "Quando a gente sabe quem a gente é, pode vir outras crianças querer colocar alguma palavra negativa. Então, ela já vai ter o escudo para se proteger, que é não dar bola, porque ela sabe quem ela é."

Além de fortalecer emocionalmente a filha, Fabiola defende que a autonomia também é parte importante da formação. Para ela, incentivar a criança a participar da rotina familiar ensina responsabilidade, empatia e senso de pertencimento. Apesar de sempre colocar Manuela para fazer as obrigações diárias e ajudar nos cuidados do lar, essa postura de dar autonomia vem acompanhada de atenção e vigilância.

Quando o assunto é bullying, ela acredita que o foco deve estar no fortalecimento interno das crianças, e não na vitimização. "O mundo lá fora vem com muitos desafios. Mas se a criança sabe que é amada, inteligente e carinhosa, ela não vai se abalar quando alguém disser o contrário."

Construção de autoestima 

A construção da autoestima de crianças e adolescentes é um processo delicado e cheio de nuances, marcado por períodos de intensa vulnerabilidade. As comparações em excesso e as horas perdidas entre as telas tornam esse público um alvo fácil para a exposição social. Mais do que isso, colocam a identidade e o bem-estar dessa geração em risco, mostrando a importância de olhar para o agora.

Para o psiquiatra Raphael Boechat, professor do curso de medicina do Centro Universitário Uniceplac, o período de pré-adolescência e adolescência se destaca como o mais vulnerável. De acordo com ele, é durante essa fase que a busca por uma autoestima mais sólida começa a entrar em jogo. Assim, nasce uma perigosa procura para caber dentro dos populares grupos sociais.

Nessa fase, o indivíduo passa por mudanças intensas, hormonais, sexuais e de amadurecimento. "É uma busca de uma nova identidade. Muda praticamente a pessoa, de uma criança para um ser adulto," explica Boechat. É neste processo de formação que a pessoa está muito frágil e um eventual trauma pode refletir na construção imagética desse indivíduo.

Já na infância, o especialista ressalta que as principais preocupações giram em torno dos traumas atípicos, que se referem a eventos não esperados no curso normal do desenvolvimento de uma criança ou adolescente e que causam um impacto negativo significativo na formação da sua personalidade. "O momento mais vulnerável seria esse, quando a criança ainda precisa estar sujeita a lidar com críticas, elogios e influências do meio", acrescenta.

Na prática

Mãe de Maria Alice Magalhães, 10 anos, a bacharel em direito Denise Cléa Magalhães, 51, acredita que as crianças expressam suas angústias de formas sutis. "Ela fica cabisbaixa, amuadinha, com o olhar triste. Quando isso acontece, eu tento conversar e estou sempre pronta a dar colo", relata.

Já o técnico em telecomunicações Adriano Castro, 40, pai de quatro crianças, Maria Luiza, 10, Maria Júlia, 6, Eliezer, 3, e Francisco, 3 meses, explica que os sinais de que algo não vai bem costumam aparecer na forma de autocrítica, isolamento e falta de interação.

A crença dos pais na capacidade dos filhos, reforça Denise, é um motor poderoso para evitar esses sentimentos ruins. "Digo que ela é capaz de fazer qualquer coisa que se propuser a fazer. Elogio a aparência, que somos seres únicos, que somos perfeitos com nossas imperfeições."

Para Adriano, "elogiar, validar o que eles sentem, dar autonomia nas tarefas para que consigam executar, responsabilizem-se e lutem com persistência" são pilares. Ele cria oportunidades para pequenas conquistas: "Isso constrói confiança. Além de muita conversa, ser exemplo. Falar também sobre os meus erros. E como os supero."

A vulnerabilidade dos pais, ao compartilhar suas próprias falhas e superações, humaniza o processo e ensina a importância de se levantar após cada queda. "Errar faz parte da nossa humanidade, mas nos levantar e decidir sair do erro faz parte do que somos chamados a viver nessa Terra. Como eu disse, eu falo muito sobre o quanto são amados e demonstro isso com muito carinho e não só em palavras", diz Adriano.

O bullying é uma realidade dolorosa que "dilacera a alma", como descreve Denise. Ela relata o caso de Maria Alice, que foi excluída na própria turma. Nesse momento, procurou a direção da escola, pois entende que crianças precisam de orientação. "Pais, escola e sociedade são responsáveis pela educação da criança."

A filha mais velha de Adriano, Maria Luiza, também passou por uma situação parecida, quando estava no banheiro e colegas a atingiram com papel higiênico molhado. "Lembro de ouvirmos com atenção. Sem minimizar, sem culpar, mostrei que estava do lado dela. Validei os sentimentos, perguntando o que elas estavam sentindo. Conversamos na escola com diretores e professores."

Apesar de ser importante proteger os filhos, é crucial ajudá-los a desenvolver segurança emocional e aprender a lidar com frustrações. "Muitas vezes, a Maria chegava relatando algum desentendimento com um coleguinha, eu conversava, acolhia e a incentivava a resolver e também a não se abalar por qualquer coisa", conta Denise.

Para a mãe, a sabedoria está em transformar as ofensas em oportunidades de crescimento: "Se ela diz, por exemplo, 'meu colega me chamou de esquisita'. Eu falo que é a opinião pessoal dele e que aquilo não a define. Como existe 'ele' que acha isso, há inúmeras pessoas que a acham maravilhosa. A ofensa, a crítica, a maldade dizem respeito a quem fala. Que ela tem que ser sempre amor, falar elogios, porém, também, responder à altura às ofensas, mas sem baixar o nível."

Adriano concorda: "Permito que enfrentem frustrações pequenas, naturais, como perder um jogo, errar o exercício. Ajudo a lidar com isso em vez de resolver tudo para eles. Estabeleço limites claros, mas dou espaço para iniciativa deles. Acolho erros e falhas como oportunidades de aprendizado, sem críticas destrutivas. Ajudo a identificar emoções, a enfrentar o medo ou a raiva."

  • Denise Cléa e Maria Alice
    Denise Cléa e Maria Alice Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Adriano Castro com a esposa,Aline, e os filhos, MariaLuiza, Eliezer, Maria Júliae Francisco (na barriga)
    Adriano Castro com a esposa,Aline, e os filhos, MariaLuiza, Eliezer, Maria Júliae Francisco (na barriga) Arquivo pessoal
  • Fabiola Torino faz detudo para ter umarelação de parceria coma filha, Manuela
    Fabiola Torino faz detudo para ter umarelação de parceria coma filha, Manuela Arquivo pessoal

Desenvolvimento atento

Ao longo do desenvolvimento infantil, algumas das transformações podem ser vivenciadas com maior intensidade ou impacto, como a entrada na escola, a puberdade, a convivência com os pares, as exigências escolares e os namoros. A professora de psicologia do Ceub Áurea Chagasdestaca que um ambiente familiar acolhedor, com espaço para sentimentos e diálogos, tende a construir uma autoestima mais satisfatória dessa criança. Em contrapartida, crescer em contextos de violência, opressão ou negligência pode gerar sentimentos de rejeição ou incapacidade, o que impacta negativamente a autoestima.

Entre os principais fatores que contribuem para a baixa autoestima, Áurea elenca comparações, críticas ou castigos sem explicação, indiferença ou cobranças excessivas por parte dos responsáveis. Tais atitudes podem levar as crianças e os adolescentes a se retraírem e se isolarem do convívio social, favorecendo sentimentos de desvalia e rejeição.

Se o bullying, as críticas e os elogios sempre existiram em um contexto menor, o cenário atual é super dimensionado devido às vivências tidas no universo digital, como aponta o psiquiatra Rafael Boechat. "A questão das mídias sociais é um problema que essa nova geração está lidando. A exposição na internet é muito mais presente, levando a críticas de pessoas que o jovem nunca viu", alerta.

Na avaliação do especialista, essa superexposição aumenta os riscos de uma piora da autoestima, especialmente nessa fase mais vulnerável. Compartilhando da mesma análise, a professora Áurea Chagas concorda que a tecnologia, embora benéfica, se mal utilizada ou administrada, pode se tornar uma questão delicada, trazendo prejuízos à saúde mental.

"Sem acompanhamento sistemático dos responsáveis, o uso precoce de telas e redes expõe a inúmeras situações prejudiciais ao desenvolvimento emocional, afetando diretamente sua autoestima. A internet, lamentavelmente, ainda se apresenta como um espaço aberto para vulnerabilidades de diferentes tipos."

A necessidade de freios

 

Diante do cenário, Boechat afirma que há um consenso entre educadores e profissionais da saúde de que o uso das redes sociais progrediu demais e precisa de freios, já que as consequências estão sendo maiores que os ganhos para essa faixa etária. Ainda que a tecnologia seja, de fato, benéfica, os pequenos estão face a face com conteúdos que podem minar a construção de uma autoestima saudável.

A orientação prática, segundo o psiquiatra, é uma privação e retardar ao máximo a entrada da criança na rede social. "No início, quando mais nova, é necessário que tenha uma fiscalização. Isso tudo é importante e tem que ser feito mesmo," enfatiza.

O controle parental, presente em diversas plataformas digitais, é um recurso que pode ser utilizado para que a família possa administrar esse uso de telas.

Muito além das medidas de controle de telas, o profissional frisa a importância da conversa aberta em todos os contextos, seja no bullying escolar, seja em ambiente virtual. "A presença dos pais e a busca por ajuda profissional — um psiquiatra infantil ou um psicólogo que atenda crianças — são medidas fundamentais para dar suporte a crianças e adolescentes", finaliza

O bullying, infelizmente, ainda é uma realidade presente em muitas escolas. Comentários sobre aparência, jeito de ser ou desempenho escolar podem deixar marcas profundas, especialmente quando se repetem.

A força da parceria família-escola

Para a pedagoga Letícia de Queiroz, a autoestima infantil é crucial nesse cenário. "Crianças autoconfiantes são mais resilientes, capazes de lidar com dificuldades e frustrações do dia a dia, o que facilita a interação com os colegas e o desempenho escolar", explica.

Para Adriano Castro, pai de quatro crianças, a relação com a escola é vital na prevenção do bullying. "A nossa relação com a escola é muito boa, porque estamos muito presentes. Não só nas reuniões. Temos contato com o telefone dos professores e estamos sempre procurando saber como estão. Sinto que a escola deles é parceira. Tem sido. Mas é uma via de mão dupla."

A pedagoga diz ainda que o autoconhecimento contribui para maior empatia: "A capacidade de compreender os próprios sentimentos e se aceitar contribui para entender e valorizar os outros." Em contrapartida, crianças com baixa autoestima são mais inseguras, podem ter dificuldade para fazer amigos — e isso impacta no aprendizado.

Segundo Letícia, o ambiente escolar tem papel fundamental nesse processo. "A escola deve ser (ou se esforçar para ser) um ambiente seguro e acolhedor", afirma. Para combater o bullying de forma efetiva, ela sugere programas sobre respeito e empatia, além da capacitação de professores e funcionários para identificar sinais e intervir. "As intervenções devem ser levadas a sério e nenhuma 'brincadeira' pode ser vista como pequena", alerta a pedagoga. "O trabalho deve ser contínuo, e a conversa, a cada ano, precisa ser mais profunda."

Letícia aponta que, para perceber os sinais, os professores podem observar mudanças de comportamento, como um aluno que era expressivo e se torna mais calado, ou que começa a fazer mais piadas sobre si mesmo.

Atividades pedagógicas e lúdicas também são valiosas

  • Rodas de conversa após contação de histórias sobre empatia e inclusão

  • Dramatizações e teatro

  • Produção textual ou ilustrações sobre o tema bullying

“Quando existe diálogo, os alunos ficam mais confortáveis para contar o que acontece com eles na escola, e isso facilita a leitura das dinâmicas de sala e possíveis intervenções”, diz Letícia.

Fonte: Pedagoga Letícia de Queiroz

Mão dupla

Em casa, os pais também têm papel essencial de cultivar um ambiente de escuta e valorização. Para Letícia, a parceria entre escola e família é indispensável. "Precisamos falar a mesma língua", enfatiza. Os limites devem ser acordados, e os pais precisam colaborar com o discurso da escola, mostrando que o que é proibido ali não é um limite do professor, mas sim da convivência em sociedade.

Na construção da autoestima, a coerência é essencial. "O sim, o elogio, o voto de confiança que a criança recebe na escola deve ser afirmado pelos pais", explica Letícia, citando o ditado: "É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança." Mas alerta: "Se cada um fala uma língua, a criança fica confusa".

Sobre o papel das atividades pedagógicas e lúdicas, ela reforça: "O direito de se imaginar, se expressar, cometer erros, ganhar e perder é vivenciado nas atividades [...] e aumenta a percepção da criança sobre si mesma, experimentando seu valor, sua capacidade e habilidades."

Segundo a pedagoga, o lúdico permite ao professor conhecer os talentos e interesses dos alunos, reforçar os laços afetivos e perceber em que aspectos eles precisam se desenvolver mais, um caminho essencial para formar crianças mais seguras e emocionalmente saudáveis.

 


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postado em 12/10/2025 06:00 / atualizado em 12/10/2025 09:44
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