
Neste Dia das Crianças, mais do que presentes e brincadeiras, vale lembrar de algo essencial para o desenvolvimento dos pequenos: o cuidado com a autoestima. Em um mundo cada vez mais conectado, e por vezes cruel, ajudar as crianças a se sentirem seguras e confiantes é uma das maiores provas de amor que pais e educadores podem oferecer.
Mãe de Manuela Torino, 7 anos, e educadora física, Fabiola Torino, 51, acredita que o fortalecimento da autoconfiança começa em casa, com palavras de afirmação e exemplos diários. "Eu fortaleço a autoconfiança, a autoestima da minha filha no dia a dia, mostrando e falando para ela quem realmente ela é. Realçando a identidade dela, que ela é amorosa, carinhosa, inteligente, que ela é filha amada de Deus, em primeiro lugar", conta.
Para ela, o autoconhecimento é o melhor escudo contra o bullying. "Quando a gente sabe quem a gente é, pode vir outras crianças querer colocar alguma palavra negativa. Então, ela já vai ter o escudo para se proteger, que é não dar bola, porque ela sabe quem ela é."
Além de fortalecer emocionalmente a filha, Fabiola defende que a autonomia também é parte importante da formação. Para ela, incentivar a criança a participar da rotina familiar ensina responsabilidade, empatia e senso de pertencimento. Apesar de sempre colocar Manuela para fazer as obrigações diárias e ajudar nos cuidados do lar, essa postura de dar autonomia vem acompanhada de atenção e vigilância.
Quando o assunto é bullying, ela acredita que o foco deve estar no fortalecimento interno das crianças, e não na vitimização. "O mundo lá fora vem com muitos desafios. Mas se a criança sabe que é amada, inteligente e carinhosa, ela não vai se abalar quando alguém disser o contrário."
Construção de autoestima
A construção da autoestima de crianças e adolescentes é um processo delicado e cheio de nuances, marcado por períodos de intensa vulnerabilidade. As comparações em excesso e as horas perdidas entre as telas tornam esse público um alvo fácil para a exposição social. Mais do que isso, colocam a identidade e o bem-estar dessa geração em risco, mostrando a importância de olhar para o agora.
Para o psiquiatra Raphael Boechat, professor do curso de medicina do Centro Universitário Uniceplac, o período de pré-adolescência e adolescência se destaca como o mais vulnerável. De acordo com ele, é durante essa fase que a busca por uma autoestima mais sólida começa a entrar em jogo. Assim, nasce uma perigosa procura para caber dentro dos populares grupos sociais.
Nessa fase, o indivíduo passa por mudanças intensas, hormonais, sexuais e de amadurecimento. "É uma busca de uma nova identidade. Muda praticamente a pessoa, de uma criança para um ser adulto," explica Boechat. É neste processo de formação que a pessoa está muito frágil e um eventual trauma pode refletir na construção imagética desse indivíduo.
Já na infância, o especialista ressalta que as principais preocupações giram em torno dos traumas atípicos, que se referem a eventos não esperados no curso normal do desenvolvimento de uma criança ou adolescente e que causam um impacto negativo significativo na formação da sua personalidade. "O momento mais vulnerável seria esse, quando a criança ainda precisa estar sujeita a lidar com críticas, elogios e influências do meio", acrescenta.
Na prática
Mãe de Maria Alice Magalhães, 10 anos, a bacharel em direito Denise Cléa Magalhães, 51, acredita que as crianças expressam suas angústias de formas sutis. "Ela fica cabisbaixa, amuadinha, com o olhar triste. Quando isso acontece, eu tento conversar e estou sempre pronta a dar colo", relata.
Já o técnico em telecomunicações Adriano Castro, 40, pai de quatro crianças, Maria Luiza, 10, Maria Júlia, 6, Eliezer, 3, e Francisco, 3 meses, explica que os sinais de que algo não vai bem costumam aparecer na forma de autocrítica, isolamento e falta de interação.
A crença dos pais na capacidade dos filhos, reforça Denise, é um motor poderoso para evitar esses sentimentos ruins. "Digo que ela é capaz de fazer qualquer coisa que se propuser a fazer. Elogio a aparência, que somos seres únicos, que somos perfeitos com nossas imperfeições."
Para Adriano, "elogiar, validar o que eles sentem, dar autonomia nas tarefas para que consigam executar, responsabilizem-se e lutem com persistência" são pilares. Ele cria oportunidades para pequenas conquistas: "Isso constrói confiança. Além de muita conversa, ser exemplo. Falar também sobre os meus erros. E como os supero."
A vulnerabilidade dos pais, ao compartilhar suas próprias falhas e superações, humaniza o processo e ensina a importância de se levantar após cada queda. "Errar faz parte da nossa humanidade, mas nos levantar e decidir sair do erro faz parte do que somos chamados a viver nessa Terra. Como eu disse, eu falo muito sobre o quanto são amados e demonstro isso com muito carinho e não só em palavras", diz Adriano.
O bullying é uma realidade dolorosa que "dilacera a alma", como descreve Denise. Ela relata o caso de Maria Alice, que foi excluída na própria turma. Nesse momento, procurou a direção da escola, pois entende que crianças precisam de orientação. "Pais, escola e sociedade são responsáveis pela educação da criança."
A filha mais velha de Adriano, Maria Luiza, também passou por uma situação parecida, quando estava no banheiro e colegas a atingiram com papel higiênico molhado. "Lembro de ouvirmos com atenção. Sem minimizar, sem culpar, mostrei que estava do lado dela. Validei os sentimentos, perguntando o que elas estavam sentindo. Conversamos na escola com diretores e professores."
Apesar de ser importante proteger os filhos, é crucial ajudá-los a desenvolver segurança emocional e aprender a lidar com frustrações. "Muitas vezes, a Maria chegava relatando algum desentendimento com um coleguinha, eu conversava, acolhia e a incentivava a resolver e também a não se abalar por qualquer coisa", conta Denise.
Para a mãe, a sabedoria está em transformar as ofensas em oportunidades de crescimento: "Se ela diz, por exemplo, 'meu colega me chamou de esquisita'. Eu falo que é a opinião pessoal dele e que aquilo não a define. Como existe 'ele' que acha isso, há inúmeras pessoas que a acham maravilhosa. A ofensa, a crítica, a maldade dizem respeito a quem fala. Que ela tem que ser sempre amor, falar elogios, porém, também, responder à altura às ofensas, mas sem baixar o nível."
Adriano concorda: "Permito que enfrentem frustrações pequenas, naturais, como perder um jogo, errar o exercício. Ajudo a lidar com isso em vez de resolver tudo para eles. Estabeleço limites claros, mas dou espaço para iniciativa deles. Acolho erros e falhas como oportunidades de aprendizado, sem críticas destrutivas. Ajudo a identificar emoções, a enfrentar o medo ou a raiva."
Desenvolvimento atento
Ao longo do desenvolvimento infantil, algumas das transformações podem ser vivenciadas com maior intensidade ou impacto, como a entrada na escola, a puberdade, a convivência com os pares, as exigências escolares e os namoros. A professora de psicologia do Ceub Áurea Chagasdestaca que um ambiente familiar acolhedor, com espaço para sentimentos e diálogos, tende a construir uma autoestima mais satisfatória dessa criança. Em contrapartida, crescer em contextos de violência, opressão ou negligência pode gerar sentimentos de rejeição ou incapacidade, o que impacta negativamente a autoestima.
Entre os principais fatores que contribuem para a baixa autoestima, Áurea elenca comparações, críticas ou castigos sem explicação, indiferença ou cobranças excessivas por parte dos responsáveis. Tais atitudes podem levar as crianças e os adolescentes a se retraírem e se isolarem do convívio social, favorecendo sentimentos de desvalia e rejeição.
Se o bullying, as críticas e os elogios sempre existiram em um contexto menor, o cenário atual é super dimensionado devido às vivências tidas no universo digital, como aponta o psiquiatra Rafael Boechat. "A questão das mídias sociais é um problema que essa nova geração está lidando. A exposição na internet é muito mais presente, levando a críticas de pessoas que o jovem nunca viu", alerta.
Na avaliação do especialista, essa superexposição aumenta os riscos de uma piora da autoestima, especialmente nessa fase mais vulnerável. Compartilhando da mesma análise, a professora Áurea Chagas concorda que a tecnologia, embora benéfica, se mal utilizada ou administrada, pode se tornar uma questão delicada, trazendo prejuízos à saúde mental.
"Sem acompanhamento sistemático dos responsáveis, o uso precoce de telas e redes expõe a inúmeras situações prejudiciais ao desenvolvimento emocional, afetando diretamente sua autoestima. A internet, lamentavelmente, ainda se apresenta como um espaço aberto para vulnerabilidades de diferentes tipos."
A necessidade de freios
Diante do cenário, Boechat afirma que há um consenso entre educadores e profissionais da saúde de que o uso das redes sociais progrediu demais e precisa de freios, já que as consequências estão sendo maiores que os ganhos para essa faixa etária. Ainda que a tecnologia seja, de fato, benéfica, os pequenos estão face a face com conteúdos que podem minar a construção de uma autoestima saudável.
A orientação prática, segundo o psiquiatra, é uma privação e retardar ao máximo a entrada da criança na rede social. "No início, quando mais nova, é necessário que tenha uma fiscalização. Isso tudo é importante e tem que ser feito mesmo," enfatiza.
O controle parental, presente em diversas plataformas digitais, é um recurso que pode ser utilizado para que a família possa administrar esse uso de telas.
Muito além das medidas de controle de telas, o profissional frisa a importância da conversa aberta em todos os contextos, seja no bullying escolar, seja em ambiente virtual. "A presença dos pais e a busca por ajuda profissional — um psiquiatra infantil ou um psicólogo que atenda crianças — são medidas fundamentais para dar suporte a crianças e adolescentes", finaliza
O bullying, infelizmente, ainda é uma realidade presente em muitas escolas. Comentários sobre aparência, jeito de ser ou desempenho escolar podem deixar marcas profundas, especialmente quando se repetem.
A força da parceria família-escola
Para a pedagoga Letícia de Queiroz, a autoestima infantil é crucial nesse cenário. "Crianças autoconfiantes são mais resilientes, capazes de lidar com dificuldades e frustrações do dia a dia, o que facilita a interação com os colegas e o desempenho escolar", explica.
Para Adriano Castro, pai de quatro crianças, a relação com a escola é vital na prevenção do bullying. "A nossa relação com a escola é muito boa, porque estamos muito presentes. Não só nas reuniões. Temos contato com o telefone dos professores e estamos sempre procurando saber como estão. Sinto que a escola deles é parceira. Tem sido. Mas é uma via de mão dupla."
A pedagoga diz ainda que o autoconhecimento contribui para maior empatia: "A capacidade de compreender os próprios sentimentos e se aceitar contribui para entender e valorizar os outros." Em contrapartida, crianças com baixa autoestima são mais inseguras, podem ter dificuldade para fazer amigos — e isso impacta no aprendizado.
Segundo Letícia, o ambiente escolar tem papel fundamental nesse processo. "A escola deve ser (ou se esforçar para ser) um ambiente seguro e acolhedor", afirma. Para combater o bullying de forma efetiva, ela sugere programas sobre respeito e empatia, além da capacitação de professores e funcionários para identificar sinais e intervir. "As intervenções devem ser levadas a sério e nenhuma 'brincadeira' pode ser vista como pequena", alerta a pedagoga. "O trabalho deve ser contínuo, e a conversa, a cada ano, precisa ser mais profunda."
Letícia aponta que, para perceber os sinais, os professores podem observar mudanças de comportamento, como um aluno que era expressivo e se torna mais calado, ou que começa a fazer mais piadas sobre si mesmo.
Atividades pedagógicas e lúdicas também são valiosas
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Rodas de conversa após contação de histórias sobre empatia e inclusão
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Dramatizações e teatro
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Produção textual ou ilustrações sobre o tema bullying
“Quando existe diálogo, os alunos ficam mais confortáveis para contar o que acontece com eles na escola, e isso facilita a leitura das dinâmicas de sala e possíveis intervenções”, diz Letícia.
Fonte: Pedagoga Letícia de Queiroz
Mão dupla
Em casa, os pais também têm papel essencial de cultivar um ambiente de escuta e valorização. Para Letícia, a parceria entre escola e família é indispensável. "Precisamos falar a mesma língua", enfatiza. Os limites devem ser acordados, e os pais precisam colaborar com o discurso da escola, mostrando que o que é proibido ali não é um limite do professor, mas sim da convivência em sociedade.
Na construção da autoestima, a coerência é essencial. "O sim, o elogio, o voto de confiança que a criança recebe na escola deve ser afirmado pelos pais", explica Letícia, citando o ditado: "É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança." Mas alerta: "Se cada um fala uma língua, a criança fica confusa".
Sobre o papel das atividades pedagógicas e lúdicas, ela reforça: "O direito de se imaginar, se expressar, cometer erros, ganhar e perder é vivenciado nas atividades [...] e aumenta a percepção da criança sobre si mesma, experimentando seu valor, sua capacidade e habilidades."
Segundo a pedagoga, o lúdico permite ao professor conhecer os talentos e interesses dos alunos, reforçar os laços afetivos e perceber em que aspectos eles precisam se desenvolver mais, um caminho essencial para formar crianças mais seguras e emocionalmente saudáveis.