MEIO AMBIENTE

Cuidados e atenção a incêndios com uso de Inteligências Artificiais

Cientistas do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas desenvolveram um modelo tecnológico que promete prever ameaças e riscos com mais precisão, dando tempo para a tomada de decisões e reduzindo gastos

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 Com a base de dados, a tecnologia cruza informações e mapeia as possibilidades   -  (crédito: : ECMWF)
Com a base de dados, a tecnologia cruza informações e mapeia as possibilidades   - (crédito: : ECMWF)
postado em 19/05/2025 06:00

Rafaela Bomfim*

 A crescente ameaça dos incêndios florestais tem levado cientistas e especialistas à busca de métodos mais eficazes para prever esses eventos devastadores cujas frequência e intensidade aumentam devido às mudanças climáticas. Um avanço na área é o novo modelo de previsão baseado em dados de alta qualidade e aprendizado de máquina (ML), que promete transformar a forma como identificar áreas de maior risco. O estudo, desenvolvido pelo ECMWF (Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo), está publicado na revista Nature Communications, que detalha como a coleta e a integração de dados somados ao uso de técnicas avançadas de aprendizado de máquina podem aprimorar significativamente a precisão das previsões de incêndios.

Diferentemente do sistema tradicional, que se baseia em fatores como temperatura, vento e umidade, para indicar o risco de incêndios, o novo modelo Probabilidade de Incêndio (PoF) adota uma abordagem mais completa. Utilizando inteligência artificial (IA) e técnicas avançadas de aprendizado de máquina que cruza uma variedade de dados — desde o tipo e a condição da vegetação até a presença de atividades humanas, como estradas e construções, além de registros anteriores de queimadas. A principal vantagem é que as equipes de emergência ganham tempo e clareza para a a definição de estratégia, reduzindo desperdício de recursos e, principalmente, protegendo comunidades e o meio ambiente.

Os sistemas tradicionais, muitas vezes, falham em identificar áreas com risco de ignição devido à sua falta de especificidade. Por exemplo, em eventos como o incêndio que devastou Los Angeles em 2024, os modelos convencionais indicaram vastas áreas como inflamáveis, sem apontar com precisão os pontos exatos de risco. O novo modelo, por outro lado, leva em consideração uma gama mais ampla de fatores, incluindo a densidade de estradas e a abundância de vegetação seca, resultando em previsões mais localizadas e detalhadas.

Múltiplos parâmetros

Francesca Di Giuseppe, autora principal do estudo, explicou que a incorporação de múltiplos parâmetros, além das condições climáticas, é fundamental para melhorar a acuracidade das previsões. "Nosso novo modelo de Probabilidade de Incêndio incorpora múltiplas fontes de dados além do clima para refinar as previsões. Um algoritmo de aprendizado de máquina, adota uma abordagem mais holística. Os índices tradicionais de perigo de incêndio baseados no clima muitas vezes falham em identificar áreas em risco de ignição com especificidade suficiente. É aqui que o ML pode ajudar."

Ao combinar essas informações, o modelo é capaz de fornecer uma visão mais precisa do risco de incêndio, ajudando na tomada de decisões e na gestão de recursos durante períodos de alta ameaça. O estudo também ressaltou a importância de se considerar dados sobre a disponibilidade de combustível, como a umidade da vegetação, que têm grande impacto na propagação do fogo. A capacidade de capturar essas informações melhora em até 30% a precisão das previsões, em comparação com modelos que apenas consideram o clima. O ECMWF, com sua experiência em previsão climática e dados do Copernicus Atmospheric Monitoring Service (CAMS), conseguiu integrar esses dados são fundamentais, criando uma estrutura que extrai informações sobre combustíveis que, de outra forma, seriam difíceis de obter.

Florence Rabier, diretora-geral do ECMWF, destacou a importância dessa inovação no contexto dos incêndios devastadores que ocorreram nos últimos anos, como os que atingiram Portugal, Grécia e Canadá. "A nova ferramenta Probability of Fire se beneficiou da experiência do ECMWF em IA e ML para previsões meteorológicas de médio prazo (3 a 15 dias), e os especialistas envolvidos fizeram avanços significativos na previsão de incêndio usando métodos semelhantes baseados em dados."

A previsão de incêndio seja um assunto desafiador, pois a ignição continua sendo um processo imprevisível, as agências responsáveis por fornecer informações, como o Joint Research Centre da Comissão Europeia, agora têm acesso a ferramentas aprimoradas para ajudar a proteger melhor vidas, meios de subsistência e ecossistemas. Um exemplo claro da utilidade desse modelo de previsão é a recente previsão do risco de incêndio em Los Angeles para janeiro de 2025. O PoF foi capaz de fornecer uma avaliação muito mais precisa do perigo em áreas específicas, superando o tradicional Fire Weather Index, que falhou em capturar a dinâmica complexa do risco de incêndio.

Esse tipo de abordagem é essencial para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas e pela urbanização crescente, que frequentemente coloca áreas densamente habitadas na interface entre o urbano e o selvagem, uma zona de alto risco durante os incêndios.

 

Perguntas para Andrea Ramos, meteorologista com doutorado em Física e consultora pelo PNUDONU no MCTI

A utilização de inteligência artificial e aprendizado de máquina podem ser acessíveis para agências de menor porte no Brasil? 

Sim, a utilização de inteligência artificial (IA) em modelos de previsão de incêndios pode ser acessível para agências de menor porte no Brasil, embora exija uma abordagem estratégica e a consideração de alguns desafios. A implementação pode ser viabilizada de várias formas, como a utilização de plataformas e ferramentas de código aberto, como o QGIS e GeoPandas, integradas para o processamento de dados de satélite e informações geográficas para a previsão de incêndios. O aproveitamento de serviços de computação em nuvem acessíveis como AWS, Google Cloud e Azure) oferecem planos de baixo custo ou até mesmo gratuitos para iniciantes, permitindo que agências menores processem grandes volumes de dados e executem modelos de IA sem a necessidade de investir em infraestrutura de hardware própria. Colaboração e parcerias com universidades, centros de pesquisa e outras agências governamentais que já possuem expertise em IA e sensoriamento remoto ou mesmo a formação de consórcios entre diversas agências de menor porte podem diluir os custos de desenvolvimento e implementação de soluções de IA. O aproveitamento de dados públicos  para a previsão de incêndios, como os relativos a focos de calor do Inpe, os meteorológicos do Inmet e sobre uso da terra do IBGE, podem reduzir os custos de aquisição de informações.

Como esse novo sistema de análise de dados pode ser integrado aos modelos já existentes, considerando a diversidade territorial e as diferentes escalas de análise?

Quando se agregam esses desafios para adotar uma abordagem integrada e multiescalar, é possível desenvolver modelos de previsão de incêndios mais eficazes para o Brasil, auxiliando na prevenção, no monitoramento e no combate aos incêndios em um território tão diverso e essa integração exige uma abordagem multiescalar, a combinação de diversas fontes de dados e o uso de metodologias avançadas de análise espacial e modelagem. Os desafios incluem a disponibilidade, qualidade, processamento e análise de volumes dos dados, uma vez que a padronização e a interoperabilidade de diferentes fontes de dados são cruciais. O processamento de grandes séries temporais de imagens de satélite e a integração com outras bases de dados exigem infraestrutura computacional e expertise em análise de dados. A complexidade das interações entre as variáveis ambientais, humanas e agrícolas e podem variar entre as regiões e ao longo do tempo. Uso de sistemas de informação geográfica (SIG) para integrar, analisar e visualizar espacialmente as diversas camadas de informação para identificar padrões e áreas de risco. E no final, validação e adaptação contínua.

Diversas fontes de dados podem ser melhor aproveitadas, considerando a vasta diversidade territorial e as diferentes escalas de análise?

As principais categorias e fontes incluem: Dados de Sensoriamento Remoto (Imagens de Satélite) e o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) é a principal fonte de dados de focos de calor em tempo quase real (BDQueimadas), imagens de satélite de diversos sensores (incluindo os seus próprios satélites CBERS), e produtos derivados como áreas queimadas e risco de fogo. O MapBiomas, que é uma rede colaborativa formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia, disponibiliza o mapeamento de áreas queimadas, também fornece dados anuais de uso e cobertura da terra, permitindo analisar a relação entre diferentes usos (agricultura, pastagem, florestas) e a ocorrência de incêndios. Corpo de Bombeiros, IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) disponibilizam registros de ocorrências de incêndio, incluindo informações sobre a localização, data, hora e, quando disponíveis, as causas prováveis. Sistemas de alerta e monitoramento como o DETER (Inpe) para detecção de desmatamento em tempo quase real, que muitas vezes precede o uso do fogo. 

 O que é o chicote hidroclimático?

Ao tratar sobre a utilização de IA (inteligência artificial) na prevenção e no combate dos incêndio, o estudo aborda ainda o fenômeno do "chicote hidroclimático" — período de umidade excessiva seguido por uma estação seca, criando condições ideais para incêndios catastróficos. Esse padrão, cada vez mais amplificado em decorrência das mudanças climáticas, é um fator importante a ser considerado nas previsões, como exemplificado pelos incêndios que atingiram Los Angeles no ano passado.

A combinação de dados e informações sobre o comportamento da vegetação permite aos modelos de ML detectar mudanças dinâmicas nas condições de risco, como o efeito do "whiplash", em que os padrões climáticos abruptos alteram rapidamente as condições de inflamabilidade.

Joe McNorton, especialista da ECMWF envolvido na pesquisa, acrescentou que a compreensão detalhada desses padrões é essencial para prever com precisão os incêndios. "A capacidade de capturar e integrar essas informações usando ML é um passo crucial para melhorar a preparação para desastres e mitigar os impactos de incêndios devastadores, como o ocorrido em Los Angeles."

No estudo, o processo de ignição dos incêndios ainda é imprevisível, a combinação de dados confiáveis e a aplicação de inteligência artificial estão tornando as previsões mais eficazes. Essa ação política permite que as agências de resposta a emergências se preparem melhor para lidar com esses eventos e, eventualmente, salvar mais vidas e proteger os ecossistemas afetados.

A capacidade de usar dados de alta qualidade e técnicas de aprendizado de máquina pode não só aprimorar as previsões de incêndios florestais, mas também contribuir significativamente para uma resposta mais rápida e eficaz, garantindo uma proteção mais robusta para as populações vulneráveis e os ecossistemas em risco. A luta contra os incêndios florestais está longe de ser vencida, mas avanços como este representam um passo significativo para mitigar os danos causados por esses eventos extremos, cada vez mais frequentes no cenário global.

*Estagiária sob supervisão
de Renata Giraldi

 

Andrea Ramos, meteorologista com doutorado em Física e consultora pelo PNUDONU no MCTI

A utilização de inteligência artificial e aprendizado de máquina podem ser acessíveis para agências de menor porte no Brasil? 

Sim, a utilização de inteligência artificial (IA) em modelos de previsão de incêndios pode ser acessível para agências de menor porte no Brasil, embora exija uma abordagem estratégica e a consideração de alguns desafios. A implementação pode ser viabilizada de várias formas, como a utilização de plataformas e ferramentas de código aberto, como o QGIS e GeoPandas, integradas para o processamento de dados de satélite e informações geográficas para a previsão de incêndios. O aproveitamento de serviços de computação em nuvem acessíveis como AWS, Google Cloud e Azure) oferecem planos de baixo custo ou até mesmo gratuitos para iniciantes, permitindo que agências menores processem grandes volumes de dados e executem modelos de IA sem a necessidade de investir em infraestrutura de hardware própria. Colaboração e parcerias com universidades, centros de pesquisa e outras agências governamentais que já possuem expertise em IA e sensoriamento remoto ou mesmo a formação de consórcios entre diversas agências de menor porte podem diluir os custos de desenvolvimento e implementação de soluções de IA. O aproveitamento de dados públicos  para a previsão de incêndios, como os relativos a focos de calor do Inpe, os meteorológicos do Inmet e sobre uso da terra do IBGE, podem reduzir os custos de aquisição de informações.

Como esse novo sistema de análise de dados pode ser integrado aos modelos já existentes, considerando a diversidade territorial e as diferentes escalas de análise?

Quando se agregam esses desafios para adotar uma abordagem integrada e multiescalar, é possível desenvolver modelos de previsão de incêndios mais eficazes para o Brasil, auxiliando na prevenção, no monitoramento e no combate aos incêndios em um território tão diverso e essa integração exige uma abordagem multiescalar, a combinação de diversas fontes de dados e o uso de metodologias avançadas de análise espacial e modelagem. Os desafios incluem a disponibilidade, qualidade, processamento e análise de volumes dos dados, uma vez que a padronização e a interoperabilidade de diferentes fontes de dados são cruciais. O processamento de grandes séries temporais de imagens de satélite e a integração com outras bases de dados exigem infraestrutura computacional e expertise em análise de dados. A complexidade das interações entre as variáveis ambientais, humanas e agrícolas e podem variar entre as regiões e ao longo do tempo. Uso de sistemas de informação geográfica (SIG) para integrar, analisar e visualizar espacialmente as diversas camadas de informação para identificar padrões e áreas de risco. E no final, validação e adaptação contínua.(RB)

Sob efeito do chicote hidroclimático

Ao tratar sobre a utilização de IA (inteligência artificial) na prevenção e no combate dos incêndio, o estudo aborda ainda o fenômeno do "chicote hidroclimático" — período de umidade excessiva seguido por uma estação seca, criando condições ideais para incêndios catastróficos. Esse padrão, cada vez mais amplificado em decorrência das mudanças climáticas, é um fator importante a ser considerado nas previsões, como exemplificado pelos incêndios que atingiram Los Angeles no ano passado.

A combinação de dados e informações sobre o comportamento da vegetação permite aos modelos de ML detectar mudanças dinâmicas nas condições de risco, como o efeito do "whiplash", em que os padrões climáticos abruptos alteram rapidamente as condições de inflamabilidade.

Joe McNorton, especialista da ECMWF envolvido na pesquisa, acrescentou que a compreensão detalhada desses padrões é essencial para prever com precisão os incêndios. "A capacidade de capturar e integrar essas informações usando ML é um passo crucial para melhorar a preparação para desastres e mitigar os impactos de incêndios devastadores, como o ocorrido em Los Angeles."

No estudo, o processo de ignição dos incêndios ainda é imprevisível, a combinação de dados confiáveis e a aplicação de inteligência artificial estão tornando as previsões mais eficazes. Essa ação política permite que as agências de resposta a emergências se preparem melhor para lidar com esses eventos e, eventualmente, salvar mais vidas e proteger os ecossistemas afetados.

A capacidade de usar dados de alta qualidade e técnicas de aprendizado de máquina pode não só aprimorar as previsões de incêndios florestais, mas também contribuir significativamente para uma resposta mais rápida e eficaz, garantindo uma proteção mais robusta para as populações vulneráveis e os ecossistemas em risco. A luta contra os incêndios florestais está longe de ser vencida, mas avanços como este representam um passo significativo para mitigar os danos causados por esses eventos extremos, cada vez mais frequentes no cenário global. (RB)

 

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