Alternativa

Sem dor nem incômodo, máscara facial pode identificar doenças renais

De forma simples e rápida, o sistema com sensores capta por intermédio da respiração indicações de que a pessoa pode sofrer de alterações nos rins. Os dados são decodificados e, em seguida, vem o diagnóstico, sem exame de sangue ou urina

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No estilo FFP2, tem um sensor de gás especializado capaz de identificar por meio de metabólitos se há indícios de doença renal crônica  -  (crédito:  ACS Sensor 2025)
No estilo FFP2, tem um sensor de gás especializado capaz de identificar por meio de metabólitos se há indícios de doença renal crônica - (crédito: ACS Sensor 2025)
postado em 23/06/2025 06:00

Pesquisadores deram um passo importante no diagnóstico precoce da Doença Renal Crônica (DRC) ao desenvolverem uma máscara cirúrgica equipada com sensores capazes de identificar metabólitos presentes na respiração humana. A equipe liderada pelo professor de eletrônica do Departamento de Eletrônica e Engenharia Corrado Di Natale, da University of Rome Tor Vergata, criou esse microssistema químico que reage a compostos voláteis associados à DRC, como amônia, etanol, propanol e acetona.

Os sensores são integrados a uma máscara cirúrgica descartável e conectados a um leitor eletrônico por meio de fios, detectando alterações na resistência elétrica causadas pelas interações dos compostos com os materiais sensíveis. Os dados coletados são analisados por algoritmos de aprendizado de máquina. Em seguida, há a "leitura" das informações e vem o diagnóstico. 

A inovação foi descrita em artigo publicado na revista científica ACS Sensors e abre caminho para a detecção da DRC sem a necessidade de exames de sangue ou urina — métodos tradicionalmente utilizados para esse fim.

Estudo

No estudo com 100 voluntários — metade com DRC e metade sem a doença — o sistema mostrou-se altamente eficaz: identificou corretamente pacientes com a condição em 84% dos casos e indivíduos saudáveis em 88%. Mais do que isso, os padrões respiratórios analisados permitiram até mesmo estimar o estágio da doença, o que pode personalizar tratamentos e melhorar o monitoramento da progressão da enfermidade.

A precisão dos sensores é atribuída à combinação entre a diversidade química das porfirinas e as propriedades condutoras do polímero PEDOT/PSS, utilizado na construção dos eletrodos. Para aumentar a acurácia da análise, os pesquisadores também aplicaram técnicas como a wavelet contínua (CWT) e algoritmos de discriminação linear, capazes de diferenciar sinais de diferentes tipos de respiração.

A tecnologia ainda está em fase experimental, mas pode representar um divisor de águas na triagem populacional e no acompanhamento de pacientes. De acordo com o médico nefrologista Arthur Moreira Gomes, do Instituto de Neurologia de Goiânia (ING), o uso da máscara com sensores pode ser útil em diversos contextos, especialmente na atenção primária e em ações de rastreamento de larga escala.

"A Doença Renal Crônica é uma condição de elevada prevalência no Brasil, com uma estimativa de mais de 10 milhões de pessoas apresentando essa condição. Apesar disso, alguns desses pacientes não apresentam diagnóstico ou tratamento adequados", explica o especialista.

Relevância

Para o médico nefrologista Arthur Moreira Gomes, os métodos que consigam realizar um rastreio rápido, eficaz e de baixo custo são de extrema importância. "Pensando nisso, surgiram estudos com o uso de dispositivos não invasivos, como a máscara FFP2 acoplada ao sensor de metabólitos respiratórios. Os resultados são encorajadores, com acurácia de até 93% para o diagnóstico de DRC."

Gomes destaca ainda o potencial dessa abordagem para detectar a doença nos estágios iniciais, quando ainda não há sintomas evidentes — uma das maiores dificuldades no combate à DRC. "Essa tecnologia pode ter um papel essencial em análises populacionais e triagens, permitindo um diagnóstico precoce. Se for detectada cedo, o tratamento tem mais chances de sucesso, e o paciente pode evitar a progressão da doença e a necessidade de hemodiálise", afirma.

Segundo ele, a maioria dos pacientes é assintomática nos estágios iniciais. Quando os sinais aparecem, geralmente já há comprometimento importante da função renal. "Os sintomas da DRC são muito inespecíficos e surgem apenas em fases mais avançadas, como náuseas, vômitos, inapetência, fraqueza, inchaços e falta de ar. Por isso, é fundamental que pessoas com fatores de risco — como hipertensão, diabetes, idade avançada ou histórico familiar — façam exames de rotina com sangue e urina."

O que é DRC

É uma condição progressiva que compromete a capacidade dos rins de filtrar resíduos
do organismo. No Brasil, cerca de 12 milhões de pessoas sofrem de algum tipo de doença renal crônica, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia. Um desafio é que muitos pacientes desconhecem seu diagnóstico até os estágios avançados, quando as opções de tratamento são mais limitadas. 

 

Cinco perguntas para 

Arthur Moreira Gomes, médico nefrologista do Instituto de Neurologia de Goiânia (ING)

 

Em quais contextos essa máscara seria mais útil: triagem populacional, pronto-atendimentos ou acompanhamento ambulatorial?

A Doença Renal Crônica (DRC) é uma condição de elevada prevalência no Brasil, com uma estimativa de mais de 10 milhões de pessoas apresentando esta condição. Alguns desses pacientes não apresentam diagnóstico ou tratamento adequados quanto a esta condição. Tendo isso em vista, métodos que consigam realizar um rastreio rápido, eficaz e de baixo custo é algo de extrema importância. Os métodos mais utilizados neste rastreio são a dosagem de creatinina no sangue e exames de urina, como o elementos anormais e sedimento (EAS) e a relação Albumina/creatinina. Apesar destes serem exames de baixo custo, o fato de o paciente necessitar de realizar exames laboratoriais implica que o mesmo precisará passar por um consulta com um médico.

Novos estudos dão outras perspectivas, não?

Sim. Pensando nessa situação de rastreio de DRC, surgiram estudos com o uso de dispositivos não invasivos, como a máscara FFP2 acoplada ao sensor de metabólitos respiratórios. O sensor acoplado na máscara conseguiria detectar uma série de metabólitos que estão aumentados e que são exalados na respiração de pacientes com DRC. Os estudos com o uso de tal máscara ainda são experimentais, não sendo algo utilizado de rotina em nossa prática clínica. A despeito disso, os resultados encontrados parecem encorajadores, com uma acurácia de até 93% para o diagnóstico de Doença Renal Crônica.

Há benefícios distintos entre o "exame" via respiração em comparação aos tradicionais de sangue e urina?

A vantagem do exame pela respiração, caso consigamos comprovar a sua real eficácia, será em conseguirmos fazer um rasteio populacional antes do paciente sequer consultar com um médico. Em um país como Brasil, onde as dimensões são continentais e onde temos uma alocação de médicos desproporcional (com algumas regiões apresentando escassez profissional enquanto outras concentram um excesso dos mesmos), ter um método de rastreio precoce seria de importância significativa.

Há especialistas que dizem que ainda é cedo para o uso da máscara com esse fim, o senhor concorda?

A máscara ainda possui algumas limitações em potencial. Como a mesma consegue detectar compostos como amônia (uma substância que está aumentada em outros problemas de saúde, como doenças do fígado), ela poderia conferir resultados “falso-positivos”, podendo detectar problemas renais em pacientes que não possuem tal condição. Sendo assim, vale ressaltar que, apesar da máscara de detecção de compostos voláteis ser uma promessa para o rastreio de DRC, ela não substitui a dosagem de Creatinina e nem consulta com o médico nefrologista.

A DRC costuma ser silenciosa no início o que dificulta seu diagnóstico, como a tecnologia pode ajudar?

A tecnologia das máscaras de detecção de compostos voláteis pode ter um papel na realização de rastreio populacionais e triagens, podendo conferir um diagnóstico precoce, sobretudo tendo em vista que a maioria dos pacientes com Doença Renal Crônica (DRC) não possui quaisquer sintomas durante os estágios iniciais da doença. Caso o diagnóstico da DRC seja realizado de maneira precoce, o tratamento terá mais chances de sucesso, impedindo que o paciente tenha uma progressão/piora da doença renal e dirimindo risco de necessidade de suporte renal artificial, como a hemodiálise.

Grande potencial

Os cientistas veem potencial para aplicar a mesma tecnologia em diagnósticos de outras doenças associadas a compostos voláteis na respiração, como distúrbios hepáticos, pulmonares e até alguns tipos de câncer. Para viabilizar a produção em larga escala, a equipe adaptou o sistema para sensores montados em substratos flexíveis compatíveis com diferentes tipos de tecido, driblando a falta de padronização nos materiais das máscaras.

A proposta, segundo os autores Sergio Bernardini e Annalisa Noce, vai além do laboratório: visa incorporar sensores em produtos do cotidiano, transformando o monitoramento da saúde em algo contínuo e discreto. "Espera-se que a implementação dessa tecnologia melhore o tratamento de pacientes com doença renal crônica, facilitando a identificação oportuna de mudanças na progressão da doença", afirmam os cientistas.

Se confirmada em mais estudos clínicos, a inovação poderá corroborar para a medicina preventiva — em que o simples ato de respirar por trás de uma máscara poderá ser suficiente para detectar doenças complexas antes mesmo dos primeiros sintomas

 *Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi

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