O cérebro humano privilegia tudo o que acontece perto das mãos. Esse mecanismo, chamado efeito da mão próxima (near-hand effect), faz com que estímulos visuais situados ao redor delas sejam detectados mais rapidamente, já que essa área é considerada crucial para agir e reagir. Pesquisas anteriores mostraram que esse viés de atenção pode se estender ao membro de outra pessoa quando há colaboração. Agora, cientistas demonstram que o mesmo ocorre com robôs — desde que eles compartilhem conosco uma tarefa prática. Segundo pesquisadores, isso abre caminhos para avanços em reabilitação, próteses e na convivência entre humanos e androides.
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Para investigar a questão, pesquisadores do Instituto Italiano de Tecnologia (IIT), da Universidade de Gênova e da Universidade Brown, nos Estados Unidos, pediram a 30 voluntários que executassem, em dupla com o robô humanoide iCub, uma atividade simples: serrar uma barra de sabão usando um fio de aço. A dinâmica exigia sincronia, com cada parceiro puxando alternadamente o fio.
Após a colaboração, os voluntários realizaram o Posner cueing task, teste clássico de atenção visual. O resultado foi claro: os participantes passaram a reagir mais rápido a estímulos apresentados próximos à mão do robô — um viés que não existia antes da atividade conjunta. Ou seja, o cérebro humano passou a incluir a mão da máquina em seu próprio mapa corporal.
Expansão
O fenômeno só ocorre após a experiência compartilhada. No estudo de controle, em que os voluntários apenas observavam a mão do robô sem interagir com ele, não houve alteração na atenção visual. "Não basta a presença da máquina: é a cooperação que faz com que a mão do robô seja incorporada ao esquema corporal humano", explica a neurocientista Giulia Scorza Azzarà, autora principal do trabalho.
O esquema corporal é a representação interna que o cérebro mantém das dimensões e posições do corpo. É ele que permite ajustar movimentos e interagir com o ambiente. Em situações de colaboração, o mecanismo sensorial pode se expandir para incluir o parceiro humano — ou, como mostra o novo estudo, também o robótico.
Integração
Os pesquisadores identificaram condições que tornam o efeito mais forte. Uma delas é o grau de engajamento na tarefa: quanto maior a amplitude dos movimentos realizados em conjunto, mais intenso o viés de atenção. Outro fator é a proximidade da mão do robô ao espaço peripessoal humano — a região imediatamente ao redor do corpo, considerada prioridade pelo sistema nervoso.
Além disso, a percepção subjetiva do robô também conta. Questionários aplicados aos participantes revelaram que quanto mais humanoide, competente e animado o iCub era considerado, mais a sua mão influenciava a atenção visual. "Quando atribuímos traços humanos ou habilidades sociais a uma máquina, aumentamos a probabilidade de tratá-la como parte de nós", comenta Alessandra Sciutti, coautora do estudo.
Recuperação
As implicações da pesquisa são amplas. Na área de reabilitação, robôs colaborativos podem ajudar pacientes em fisioterapia motora, estimulando a plasticidade cerebral e acelerando a recuperação. Em próteses inteligentes, entender como o cérebro integra elementos artificiais pode tornar os dispositivos mais intuitivos, funcionando como verdadeiras extensões do corpo.
Na indústria 4.0, onde humanos e máquinas dividem o mesmo espaço, a descoberta indica que robôs percebidos como parceiros confiáveis e competentes podem aumentar a segurança e a eficiência. Já na área de cuidados em saúde, máquinas que interajam de forma mais natural podem facilitar a aceitação por pacientes e cuidadores.
Embora o estudo tenha usado um robô específico e uma tarefa relativamente simples, os cientistas acreditam que o princípio se aplica a diferentes cenários. Pesquisas futuras investigarão se outros tipos de objetos — inclusive não antropomórficos — podem provocar efeitos semelhantes.
Implicações práticas
Áreas em que a parceria entre homens e robôs pode funcionar:
Reabilitação: robôs colaborativos podem ser usados em terapias motoras para pacientes que sofreram acidentes ou têm doenças neurológicas. Ao serem incorporados ao esquema corporal durante exercícios conjuntos, essas máquinas podem acelerar a recuperação de movimentos e estimular a plasticidade cerebral.
Próteses inteligentes: o estudo ajuda a compreender como o cérebro humano integra elementos artificiais. Isso pode orientar o desenvolvimento de próteses mais intuitivas (foto), capazes de serem percebidas como parte natural do corpo, melhorando o controle motor e a adaptação do usuário.
Indústria 4.0: em fábricas, robôs que trabalham lado a lado com humanos se tornam mais eficazes quando são percebidos como parceiros competentes e confiáveis. A incorporação ao esquema corporal humano pode aumentar a segurança, reduzir erros e melhorar a coordenação em tarefas compartilhadas.
Saúde e cuidado: na enfermagem, fisioterapia e assistência a idosos, robôs colaborativos podem auxiliar em atividades que exigem sincronia com o paciente ou cuidador. Se tratados como extensões do corpo humano, tornam-se mais fáceis de aceitar e usar no cotidiano.
Educação e treinamento: ambientes de ensino podem se beneficiar de robôs que colaboram em experiências práticas, como laboratórios virtuais ou treinamentos técnicos. Ao reforçar a sensação de parceria, a tecnologia aumenta o engajamento e a eficiência do aprendizado.
Companhia para leitura
Para muitas crianças, a transição da aprendizagem para a leitura é um marco, às vezes, estressante. Em resposta a esse desafio, a doutoranda Lauren Wright liderou uma equipe de pesquisadores — incluindo colaboradores da Universidade de Chicago, da Universidade de Illinois em Chicago e da Universidade de Wisconsin-Madison, todas nos Estados Unidos — em um estudo inovador para explorar como a tecnologia pode auxiliar crianças em contextos de aprendizagem onde a ansiedade pode ser uma barreira.
O trabalho de Wright surgiu do Laboratório de Interação Humano-Robô (HRI) da professora Sarah Sebo, na Universidade de Chicago, onde pesquisadores investigam como a tecnologia pode ampliar o importante trabalho que os educadores realizam em sala de aula, fornecendo assistência educacional individualizada. O estudo, publicado na revista Social Sciences, aponta para um aliado potencial inesperado para leitores ansiosos: robôs companheiros.
"Outros pesquisadores fizeram uma observação interessante sobre como as crianças interagem com robôs tutores: elas parecem se sentir mais confortáveis cometendo erros na frente de um robô do que de um adulto humano", disse Sebo. "Nossa equipe encontrou fortes evidências de que as crianças sentem menos ansiedade com um robô ao ler em voz alta, destacando que elas podem aprender com robôs de uma forma única e potencialmente benéfica — sem ansiedade."
Ansiedade
O estudo envolveu 52 crianças entre 8 e 11 anos. Cada uma leu histórias em voz alta em três cenários diferentes: sozinha, para um adulto humano e para um robô chamado Misty. Enquanto os participantes liam, os pesquisadores monitoraram três indicadores clássicos de ansiedade: tremor vocal, variabilidade da frequência cardíaca e temperatura facial.
Ao ler para o robô Misty, as crianças demonstraram menos sinais fisiológicos de ansiedade; suas vozes ficaram mais firmes e os batimentos cardíacos menos rígidos em comparação à leitura na frente de um adulto. "Medidas fisiológicas nos dão uma compreensão mais imparcial do estado mental interno de uma pessoa. Em pesquisas educacionais, podemos usar essas técnicas para estudar não apenas como os alunos aprendem em diferentes condições, mas também como o ato de aprender os faz sentir", explicou Wright.
Um dos principais motivos de escolherem Misty foi que o robô ofereceu apoio e feedback sem que os participantes se sentissem constrangidos ou julgados. Muitas crianças gostaram que os erros pudessem ser apontados de forma direta pelo androide, ajudando-as a se concentrar na aprendizagem em vez de se preocuparem com o que os outros poderiam pensar.
Embora os pesquisadores não tenham observado diferenças substanciais na compreensão da leitura entre as sessões com o robô e com humanos, a influência calmante do robô não interferiu nos objetivos de aprendizagem. Segundo os autores, "os efeitos de mitigação da ansiedade da leitura para o robô não prejudicaram a compreensão".
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