RAFAELA LEITE*
Alguma vez você pensou em visitar túmulos da civilização dos etruscos (do século VIII a.C. ao ano 17 a.C.) sem ter que se espremer por aberturas estreitas ou rastejar por passagens escuras? Isso agora é possível. Pesquisadores da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, documentaram e recriaram, virtualmente, cerca de 280 tumbas localizadas na Itália. Eles utilizaram uma tecnologia avançada de escaneamento a laser e fotogrametria para montar um modelo tridimensional (3D).
Muitas dessas tumbas estão situadas nos arredores de San Giovenale, na região de Lazio. Todo o material foi disponibilizado em um portal digital (https://etruscan.dh.gu.se/), como parte de um projeto desenvolvido e coordenado pelo Instituto Sueco, em Roma, em parceria com a universidade sueca.
Arqueólogo do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pedro Von Seehausen trabalha com a digitalização em 3D e 2D de acervos arqueológicos. O brasileiro explicou que as técnicas usadas na pesquisa foram uma combinação de métodos estabelecidos na arqueologia, os quais envolvem a digitalização em 3D por scanners a laser, combinados com fotogrametria e medições em campo.
Segundo Seehausen, o escaneamento a laser tridimensional ajuda a "copiar" objetos ou ambientes no computador, com todos os seus detalhes e medidas. Ele funciona disparando milhares de feixes de laser por segundo. Esses feixes batem nas superfícies e retornam para o aparelho, que calcula a distância de cada ponto. Com isso, é possível montar um modelo em 3D, bastante parecido com a realidade. Por sua vez, a fotogrametria é uma técnica que faz algo parecido, mas usando apenas fotos comuns tiradas de vários ângulos. Depois, um programa de computador junta as imagens e cria um modelo tridimensional do objeto ou do local fotografado.
"A fotogrametria é uma técnica que usa fotos combinadas para montar um produto final, que pode ser uma ortoimagem ou um modelo 3D. Neste último caso, as fotos são jogadas em um software especializado a partir da iluminação do próprio ambiente. O escaneamento a laser projeta a luz para mapear o objeto", afirmou o arqueólogo.
O portal da Universidade de Gotemburgo reúne pesquisas anteriores do instituto com a nova documentação digital, o que proporciona aos visitantes uma experiência interativa. O projeto também produziu um aplicativo de realidade virtual que oferece uma visualização mais aprofundada das tumbas. "Acima de tudo, as varreduras em 3D permitem que pessoas que nunca puderam viajar até esses locais ou acessar as câmaras funerárias possam vivenciá-los e obter novos dados pela primeira vez", relatou, por meio de comunicado, o engenheiro Jonathan Westin, um dos autores da pesquisa.
Brasil
De acordo com Seehausen, a documentação digital é essencial tanto para a preservação de informações do patrimônio arqueológico quanto para a sua divulgação. O Museu Nacional utiliza esse mesmo tipo de documentação na produção de espaços virtuais. Como exemplo, o arqueólogo brasileiro cita as salas de uma plataforma do metaverso chamada Spatial, onde é possível visitar os sítios ou coleções digitalizados, com o browser do computador ou com óculos de realidade virtual.
Participante de um grupo de pesquisas no Egito, Seehausen conta que é comum combinar essas tecnologias na documentação arqueológica. "Na missão arqueológica do Museu Nacional, em Luxor, constantemente combinamos escaneamento a laser com fotogrametrias e medições feitas em campo, para criar um modelo".
O arqueólogo afirma que existem outras técnicas para a produção de diferentes experiências digitais e cita a produção de um curta em realidade virtual, feito com vídeos, fotos em 360 graus, modelos 3D, desenhos epigráficos e medições arqueo-astronômicas sobre a tumba do faraó Neferhotep I. "Com esse material, foi possível realizar experiências imersivas utilizando os óculos Quest 2 da Meta", contou Seehausen.
Para o brasileiro, a criação do portal é muito importante para a difusão da informação, pois ele funciona tanto a nível mundial quanto local, facilitando o acesso dos pesquisadores a determinado sítio ou peça. "Eu, particularmente, entendo isso como parte da obrigação do arqueólogo, em termos de divulgação do conhecimento científico produzido. É uma forma de retornar à sociedade, aquilo que ela está financiando. No Brasil, é muito comum o uso de plataformas distintas. Uma importante popular é o Sketchfab."
Ensino
A partir de 2026, o site será incorporado ao ensino da Universidade de Gotemburgo. Os alunos terão a oportunidade de adquirir conhecimento prático em coleta de dados, digitalização 3D e publicação digital, em colaboração com o Instituto. Doutora em História pela Universidade de Brasília (UnB), Vanessa de Jesus Queiroz ressalta que o projeto contribui para o ensino, ao ampliar o acesso à informação, incentivar a interdisciplinaridade, propor novas abordagens sobre a Antiguidade e oferecer recursos didáticos diversos, tornando o aprendizado mais crítico, inclusivo e instigante.
"Projetos como a iniciativa do instituto sueco evidenciam a importância das tecnologias digitais como instrumentos de combate a desinformação e fake news, porque oferecem ao público em geral dados que resultam de uma extensa rede de trabalho de pesquisa validada por instituições comprometidas com a ciência", afimou. "A circulação de informações é fundamental para democratizar o conhecimento, ao mesmo tempo em que delimita a diferença de funções entre pesquisadores estudiosos e pessoas comuns não dedicadas à pesquisa."
* Estagiária sob a supervisão de Rodrigo Craveiro
Fatos sobre os estruscos
Segundo a equipe de arqueólogos do Grupo Arqueo, os etruscos foram um povo que floresceu na região da atual Toscana, na Itália, entre os séculos VIII e I a.C., antes de serem incorporados pelo Império Romano. "Um dos legados mais notáveis dessa civilização são as suas tumbas funerárias, conhecidas como tumbas etruscas, que revelam não apenas práticas de sepultamento, mas também aspectos centrais de sua religião, organização social e visão de mundo", afirma a equipe. Os arqueólogos explicaram que, apesar de até hoje os pesquisadores não terem decodificado a língua do povo etrusco, as evidências materiais de sua cultura demonstram a complexidade de sua formação social. "As tumbas, escavadas em rochas ou erguidas em grandes construções colineares artificiais de terra, contam com câmaras funerárias decoradas com pinturas, relevos e objetos rituais, criando verdadeiros retratos da vida e da morte."
PARA SABER MAIS
Tradição centenária
Desde 1925, o Instituto Sueco em Roma tem sido uma instituição-chave para a arqueologia sueca na Itália. Na década de 1950, desempenhou um papel importante em grandes escavações no sul da Etrúria, onde se desenvolveu a civilização dos etruscos. Atualmente, sua biblioteca é reconhecida como uma das principais fontes mundiais em etruscologia, atraindo pesquisadores de diversos países.
Hampus Olsson, professor sênior do Instituto, destacou que o envolvimento do Rei Gustavo VI Adolfo foi fundamental para a visibilidade das escavações, que receberam ampla cobertura da mídia na Suécia e na Itália. "O rei, arqueólogo apaixonado por civilizações antigas, participou ativamente das escavações até 1972, um ano antes de falecer", disse.
Olsson e colegas da equipe esperam que o banco de dados digital continue crescendo e sirva de base para novos projetos internacionais, fortalecendo, ainda mais, a conexão entre ciência, patrimônio e tecnologia. (RL)
Retrato completo de caverna na Espanha
Uma equipe multidisciplinar formada por pesquisadores da Universidade de Sevilha, na Espanha, em colaboração com pesquisadores de Portugal, conseguiu capturar uma imagem tridimensional completa da Caverna La Pileta, por meio da combinação de duas tecnologias: um LiDAR móvel para smartphones e um scanner a laser terrestre. O estudo foi publicado no Journal of Archaeological Science.
O sítio arqueológico, localizado na província de Málaga, no sul da Espanha, foi declarado Monumento Nacional em 1924 e é considerado um dos mais importantes da Europa em termos de arte rupestre. O destaque do trabalho está na riqueza do local, que preserva milhares de representações gráficas datadas desde o Paleolítico Superior até a Idade do Bronze, incluindo figuras de animais, símbolos abstratos e silhuetas humanas.
Doutor em arquitetura e autor principal do estudo, Daniel Antón explicou ao Correio que o LiDAR (Light Detection and Ranging, ou Detecção de Luz e Distância, pela tradução livre) é "uma técnica de sensoriamento remoto que mede distâncias enviando pulsos de laser e registrando o tempo que eles levam para retornar após atingir uma superfície. Isso cria uma 'nuvem de pontos 3D' do ambiente, essencialmente um conjunto massivo de coordenadas de pontos (XYZ)". "Os scanners a laser terrestres utilizam esse mesmo princípio para produzir conjuntos de dados espaciais de grande escala e alta precisão", acrescentou Antón.
Segundo ele, "enquanto a varredura a laser terrestre (TLS) forneceu a precisão e o denso conjunto de dados espaciais necessários para capturar a geometria da caverna, o LiDAR portátil baseado em smartphone permitiu manobrar em áreas inacessíveis para equipamentos montados em tripés, o que geralmente é o caso em galerias de cavernas estreitas ou irregulares. A diferença entre os dois, portanto, está na escala e na precisão: o TLS oferece precisão milimétrica, enquanto os smartphones priorizam a acessibilidade.
Relevância
Sobre a importância do uso de modelos 3D para a arqueologia, Antón comentou que, se não fossem por eles, documentar a caverna seria muito mais difícil, devido à complexidade e à fragilidade que apresenta. "Os modelos fornecem réplicas digitais precisas de espaços rupestres e painéis de arte rupestre. Eles permitem que os arqueólogos estudem padrões sem acesso físico repetido; apoiem a conservação, criando um registro digital permanente; e possibilitam análises de relações espaciais difíceis de serem visualizadas no local em que permanecem", disse Antón. Além disso, ele acrescenta que os modelos podem ser usados para educação imersiva e visitas virtuais a áreas restritas, expandindo o acesso público e protegendo o sítio arqueológico. (RL)
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