Drogas

Pesquisadores criam detector para identificar canabinoides em cigarros eletrônicos

Apesar de proibidos no Brasil, os vapers continuam em circulação e não passam por regulagem na fabricação, podendo conter diversos tipos de substâncias

MAIS LIDAS

Detectores poderão ser usados por autoridades através de telefones celulares   -  (crédito: Larissa Melo/INCT-SP)
Detectores poderão ser usados por autoridades através de telefones celulares - (crédito: Larissa Melo/INCT-SP)
postado em 20/10/2025 06:00

A concentração de nicotina presente em cigarros eletrônicos excede em muitas vezes a de cigarros convencionais. Apesar de proibidos no Brasil, os vapers continuam em circulação e não passam por regulagem na fabricação, podendo conter diversos tipos de substâncias — como o THC, o principal componente psicoativo encontrado na maconha.

Em parceria com colegas de outros países, pesquisadores brasileiros desenvolveram um sensor portátil que detecta, com precisão, canabinoides sintéticos nos líquidos usados nesses artigos e em fluidos biológicos, como a saliva. O trabalho foi publicado recentemente na revista Talanta.

O dispositivo utiliza um eletrodo de diamante com boro adicionado, fabricado em colaboração com um grupo da Universidade de Tecnologia de Bratislava, na Eslováquia. Segundo os autores, o sistema se destaca pela simplicidade. "Ele é conectado a um potenciostato — instrumento eletrônico — portátil, que pode ser conectado a um celular por meio de sua porta USB-C ou até mesmo por bluetooth. A resposta é um gráfico com picos específicos, que identificam e quantificam as substâncias presentes", explicou Larissa Magalhães de Almeida Melo, primeira autora do estudo, ao lado da aluna Cecília Barroso.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

Para Wallans Torres Pio dos Santos, professor da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri, em Minas Gerais, e coordenador da pesquisa, o equipamento representa grande inovação na área. "Ele alia a portabilidade dos sensores impressos à alta estabilidade dos materiais diamantados dopados com boro, que podem ser reutilizados inúmeras vezes", explica. Segundo Santos, a pesquisa revelou que 63% dos usuários de cigarros eletrônicos não sabem o que consomem. 

O sensor foi testado com dois dos canabinoides sintéticos mais comuns e perigosos, AB-Chminaca e MDMB-4en-Pinaca. O equipamento conseguiu detectar concentrações tão baixas quanto 0,2 micromolar, mesmo na presença de altos níveis de nicotina e de outras substâncias interferentes. Em química, micromolar é uma unidade de medida para a concentração de uma substância em solução. Um micromolar equivale a um milionésimo de um mol por litro.

Precisão 

Mesmo com a complexidade das amostras, o dispositivo foca somente nas substâncias de interesse. "É como entrar em um quarto escuro e iluminar apenas o ponto que queremos observar", comparou Santos. O objeto pode ser usado no atendimento a indivíduos que sofrem de overdose ou de outras complicações. mas também para iniciativas de redução de danos.

De acordo com Luciano Arantes, pesquisador e membro do comitê gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Substâncias Psicoativas (INCT-SP), quando um novo método é proposto para detecção rápida — visando cenários de repressão ao tráfico e redução de danos —, algumas características devem ser consideradas. "A portabilidade, o custo, a simplicidade analítica e interpretativa, bem como a escalabilidade, precisam ser considerados."

O grupo de pesquisa é parceiro do Projeto BACO: Toxicologia e Análise Toxicológica como Fontes de Informação para Políticas de Drogas, que tem o objetivo de avaliar o uso de novas substâncias psicoativas em festas e festivais por meio da análise de amostras de fluido oral. A parceria busca fazer a triagem imediata de substâncias que os frequentadores desses eventos pretendem consumir.

A adaptabilidade do método é outro ponto forte indicado pelos pesquisadores, que desenvolveram sensores semelhantes para outros tipos de drogas. Arantes cita o LSD e seus análogos sintéticos, catinonas e feniletilaminas. "Também estamos trabalhando na incorporação de reagentes colorimétricos aos sensores para facilitar a interpretação visual dos resultados", frisou.

 

Esforço coletivo

"Até 10 de outubro passado, um total de 1.396 novas substâncias psicoativas (NSP) foram reportadas ao Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Portanto, é imprescindível manter o método atualizado com as novas substâncias psicoativas reportadas, ou, para ser mais realista, com aquelas que representam as diferentes estruturas químicas circulando no mercado ilícito de drogas. Esse é um desafio enorme, que somente um esforço coletivo é capaz de alcançar. 

Temos visto um enorme avanço no desenvolvimento de métodos portáteis de triagem de substâncias psicoativas no mundo, e o Brasil tem sido protagonista nessa área. O sucesso dessa abordagem está relacionado às parcerias estimuladas pelos órgãos de fomento à pesquisa no Brasil, como CAPES, CNPq e o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, bem como à aproximação e ao trabalho conjunto das partes interessadas na produção de evidências científicas para a produção de políticas públicas nas áreas de saúde e segurança."

Luciano Arantes, pesquisador e membro do comitê gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Substâncias Psicoativas (INCT-SP)

 

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação
x